Monday 29 December 2008

Vício Privado, Virtude Pública

História de um coleccionador exemplar: António de Medeiros e Almeida

De entre muitos artistas de reconhecida relevância para a história da arte, a colecção de arte de António de Medeiros e Almeida, inclui pinturas de Pieter Brueghel II, o Jovem (1564-1637) e Jan Brueghel, o Veludo (1568-1625), ou de Giovanni-Battista Tiepolo (1692-1770), por exemplo. Durante o século vinte, António de Medeiros e Almeida (1895-1986) desloca-se pela Europa à procura de peças que satisfaçam o seu gosto – pinturas no mercado inglês, relógios na Suíça, ou as artes decorativas do mercado francês –, apesar das ocorrências políticas caracterizadoras do Estado Novo e do enclausuramento consentido da sociedade portuguesa.

Medeiros e Almeida não é um coleccionador que se fecha dentro do país. Ele procura conhecer o que se faz no mundo, não através da interpretação facultada, mas numa outra região. Na interpretação criada pela sua interacção com as diferentes ordens vigentes e suas contemporâneas.

No decorrer da sua procura por obras de arte para enriquecer a sua colecção, Medeiros e Almeida aprimora e selecciona peças tendo em vista núcleos concretos, bem delineados dentro da sua colecção, por exemplo, temáticos: um conjunto peças relacionadas com a D. Catarina de Bragança, mulher de Carlos II de Inglaterra; ou de unidade autoral: as oito pinturas de paisagens do quotidiano de Jan van Goyen (1596-1655) são representativas das várias fases do artista, e da qualidade caracterizadora da pintura flamenga e holandesa durante a Idade de Ouro desta região. Desta forma a sua colecção encerra múltiplos sub-núcleos que se unem por um denominador comum e complementam-se no seu todo.

Apesar do seu posicionamento histórico, a colecção de António Medeiros e Almeida não é só uma recolecção de objectos com importância histórica, ou que permitam de alguma forma compreender uma determinada época da civilização, esta é uma colecção que também se rege pelos princípios do coleccionismo contemporâneo e, principalmente, permite ao observador compreender o coleccionador.

Conforme expressa Anísio Franco, em texto de catálogo, durante o processo de aquisição de obras para valorização da sua colecção, Medeiros e Almeida “não se limitou a adquirir tudo o que gostaria de ter por lhe parecer belo e agradável ao olhar. Nas suas compras há critérios bem definidos, com áreas bem demarcadas.”

Realidade e Capricho, uma visão particular sobre os distintos inter-relacionamentos na pintura flamenga e holandesa, na colecção de Medeiros e Almeida, termina a 25 de Maio de 2009.

Published at NS'/IN, Mercado da arte (50) (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 27 de Dezembro de 2008 Portugal © Pieter Brueghel, o Jovem – dito do Inferno, O Advogado de Aldeia ou O Cobrador de Impostos (óleo sobre madeira de carvalho, 51,9x83,7cm), 1616 Courtesy Fundação Medeiros e Almeida Casa-Museu

Monday 22 December 2008

E agora o que vai acontecer em 2009?

Paula Rego estabeleceu, com Baying, novo recorde de uma obra sua em leilao

Os artistas contemporâneos procuram nas ruas das cidades a inspiração, os sujeitos para as suas obras, um palco, e também materiais para a concepção das peças. Banksy foi um dos exemplos pragmáticos desta nova geração de artistas que se reporta à persuasão e às múltiplas ligações possíveis, de conceber, neste contexto espacial. Durante o mês de Fevereiro, e enquanto a vitalidade económica circulava pelo mercado da arte, este artista urbano vendia nos vários leilões a maioria das suas obras por valores superiores a cem mil euros. Ainda durante este mês, em Londres, The Lesson (pastel sobre papel, 1997), de Paula Rego, foi adquirido por cerca de 587 mil euros, na Christie’s, e com Baying (pastel sobre tela, 1994) leiloado por 738 mil euros, na Sotheby’s, a artista estabeleceu um novo recorde para uma obra sua em leilão. Num leilão onde o óleo sobre tela Study of nude with figure in a mirror (1969) de Francis Bacon, foi vendido por 26.4 milhões de euros. E agora, o que vai acontecer em 2009?

Paradigmas económico-financeiros

As colecções de arte representam um valor significativo no imobilizado de qualquer instituições, nomeadamente quando confrontadas com factos como os declínios históricos na riqueza mundial, ou o crash bolsista deste Outono. Um caso exemplar é a Lehman Brothers Holdings Inc. que recentemente – depois de abrir falência em Setembro – recebeu autorização do Tribunal de Falências de Nova Iorque para vender em leilão cerca de 6.3 milhões de euros da sua colecção de arte, de forma a poder pagar a alguns dos credores. Entretanto, Richard S. Fuld Jr. (chefe executivo da Lehman Brothers) e a sua esposa colocaram à venda na Christie’s de Nova Iorque obras de arte no valor de 15 milhões de euros – uma colecção privada onde se inclui peças de Jasper Johns, Frank Stella ou Damien Hirst.

A nível nacional o BPN (nacionalizado) e o BPP (apoio financeiro, e a consequente renúncia do cargo de presidente do conselho de administração por João Rendeiro, também Presidente da Ellipse Fundation Contemporary Art Collection) foram os primeiros bancos a sofrer consequências do actual paradigma económico.

Esta situação beneficia a arte e favorece a normalização dos preços aos posicioná-los nos nível de 2002. Os coleccionadores mais sérios vêm com optimismo esta readaptação do mercado, pois cria oportunidades de melhorarem as suas colecções de arte com, o que presentemente já estamos a ver, o que é uma grande procura por obras de extrema qualidade – aqueles coleccionadores e aquelas peças que estão a ser deixadas de fora são os especuladores e as inflacionadas durante estes últimos anos.

A herança económica das indústrias criativas

O Orçamento de Estado tem reservado para 2009 pouco mais de 0,4% (254 milhões de euros) para o Ministério da Cultura (longe do 1%, desejado pelos ex-titulares desta pasta ministerial). Como exprimiu o filósofo francês, Edgar Morin, sobre o conceito ecologia da acção para evidenciar a distância entre teoria e prática – “a política é um dos grandes armazéns desta contradição: a invasão do Iraque pretendia combater o terrorismo e provocou uma escalada terrorista; no comunismo, milhões de militantes são convencidos para trabalhar para a emancipação da humanidade sem saber que o fizeram para uma nova forma de escravatura”.

Politicamente os eventos culturais de expressão internacional – as Cidades Europeias da Cultura – são tendencialmente usados como modelos pragmáticos da capacidade do sector cultural e artístico em dinamizar, de uma forma económica e cultural, cidades e as regiões. No entanto, e relativamente a Guimarães 2012, parece não existirem planos de legado para a comunidade local, para a criação de novos hábitos culturais; mas só existirem preparativos para a edificação de monumentos que perdurem para além das memórias do momento, conjugada com a participação institucional na festa de dimensão europeia.

Assim, e no contexto actual de reajustamento económico, a Educação e a Cultura são menosprezadas. Num período em que estas são as duas áreas fundamentais para o estímulo social e cívico, para incentivar a participação activa da população no crescimento e na criação de uma herança económica.

Published at NS'/IN, Mercado da arte (63) (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 20 de Dezembro de 2008 Portugal © Paula Rego, The Lesson (pastel sobre papel montado em alumínio, 170x150cm), 1997 Courtesy Christie’s 2008

Monday 15 December 2008

O coleccionismo singular de um casal

Julieta e Carlos Rosón criaram, a partir das obras do colectivo madrileno El Paso, uma fundação para incentivar os artistas e participar no processo criativo

Coleccionar arte é uma paixão para Carlos Rosón. A arte “mais do que uma questão estética, é uma questão de movimento que te leva a modificar a forma de entender as coisas, por mínimo que seja”. E encontrar linhas criativas que nos conduzam a algum lugar e de onde podemos regressar. Para Nietzsche o mundo é emotivo e sensorial, mas a análise a este mundo é dependente das estruturas epistemológicas. O coleccionador de Pontevedra (Galiza, Espanha) procura na arte “o prazer, qualquer coisa pode produzir prazer, o caos é beleza”.

Apesar desta paixão por elementos que questionam e provocam afectos diferentes, “é muito raro ver uma obra e comprá-la no ímpeto do momento. Normalmente estudo a evolução do artista”, só depois é que a compra surge, mesmo assim “continuo a acompanhar a evolução do artista.”

Dentro dos diferentes movimentos, o coleccionismo de arte é “um coleccionismo muito oculto, os coleccionistas raramente dizem que são coleccionadores, e muito menos permitem conhecer o que têm”. Apesar desta perspectiva, o conceito originário da Fundación RAC – Rosón Arte Contemporáneo (Pontevedra, Galiza), fundada em Junho de 2007 pelo casal Julieta e Carlos Rosón, apresenta um duplo objectivo: a de “ser depositária da colecção de obras de arte adquirida privadamente” pelo casal, enquanto “a disponibiliza à sociedade de forma a poderem usufruir e conhecer arte contemporânea”; e, a capacidade de “poder participar, conjuntamente com os artistas, no processo criativo”, conforma expressa Carlos Rosón.

A Fundación RAC tem um programa de residências de artistas (Jonathan Hernández em 2007, e Luisa Lambri em 2008), para o qual convidam artistas (que não têm galeria ou nunca tenham exposto em Espanha) para residir na Galiza enquanto concebem um projecto sobre esta região espanhola.

As outras actividades da fundação “consagram aspectos educacionais, como formação, eventos literários ou a publicação de catálogos. No entanto, as compras continuam a ser efectuadas [pelo casal] com orçamento autónomo do destinado ao funcionamento da instituição”, de acordo com o coleccionador. O apoio financeiro à fundação resulta do esforço pessoal do casal, e mais recentemente de algumas empresas locais.

Para Carlos Rosón, a ideia de colecção é “ter uma unidade discursiva, possuir uma certa coerência e uma certa estrutura”. A colecção cresceu do núcleo embrionário dedicado ao colectivo madrileno El Paso. Actualmente, é composta por 250 obras de 120 artistas como: Mona Hatoum, Josiah McElheny, Ugo Rondinone, Ernesto Neto, Damián Ortega, Ivan Navarro, Federico Guzmán, ou Carlos Barragán, entre muitos outros.

A colecção da Fundación RAC apresenta uma forma, um diálogo entre a arte concebida em Espanha e o gerado internacionalmente, mas resulta sobretudo do gosto singular do casal.

Published at NS'/IN, Mercado da arte (52) (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 13 de Dezembro de 2008 Portugal © Ugo Rondinone, All moments stop here and together we become every memory that has ever been (Plexiglass, 160x150x3,8cm), 2002 Courtesy Fundación RAC

Monday 8 December 2008

newsfromfafe200812


black = in need of a new camera

Uma nova paisagem em emergência

Apesar do abrandamento nas transacções, de operações e resultados desiguais, o negócio continua

A crise no crédito bancário está fundamentalmente a redesenharam a paisagem económica e financeira mundial. O colapso da confiança nos mercados de crédito estruturado significa que haverá pouca ou nenhuma margem para os bancos e investidores. Similarmente, também são inevitáveis os efeitos, profundos, na paisagem artística. O mercado – representado principalmente através das galerias, leiloeiras e coleccionadores – vai ser forçado a repensar a sua forma de encarar a economia do sector artístico.

Desde 2003, o mercado para a arte contemporânea sentiu um crescimento (108% de acordo com a artprice), muito derivado da especulação económica e constantemente mediatizada pelos diferentes meios de comunicação externos ao mercado artístico. Nomeadamente no mercado anglo-saxónico, com artistas como Damien Hirst, Francis Bacon, Lucian Freud, ou Banksy. Facto com fraca expressão a nível nacional. No entanto, a muito do público especializado no mercado artístico apraz a presença de verdadeiros coleccionadores, sérios, conjuntamente com a manifesta ausência de qualquer especulação negativa.

Desta forma, a desterritorialização do território artístico terá como consequência a reterritorialização causada pelo desaparecimento das casas mais vulneráveis às flutuações e variações do mercado – naturalmente, os espaços que sofreram mais veemente da embriaguez que comandou as tendências e hábitos neste últimos anos e conotada com a especulação e mediatismo, por um lado; por outro, se a sociedade está à procura de novas formas e alternativas energéticas, se o sector financeiro está a diversificar as fontes de garante da sustentabilidade do sistema capitalista, também deve o sector artístico criar relações com a sociedade em geral nas suas mais diversas formas de expressão.

No contexto nacional e independentemente do número de visitantes, da manifesta ausência de muitos dos coleccionadores nacionais (tanto privados como institucionais), das comparações com ritmos económicos em tempos diferentes ou ainda da natural selecção do mercado - na feira ARTE LISBOA 2008 efectivaram-se transacções de bens. Concentradas em jovens emergente e valores com algum nome no mercado, em suportes mais tradicionais, como pintura, desenho ou escultura/instalações, e fotografia, como Ana Vidigal, Carlos Noronha Feio, Rodrigo Oliveira, José Maças de Carvalho, Cecília Costa ou Miguel Palma, entre muitos outros.

Ou seja, apesar do abrandamento nas transacções, de operações e resultados desiguais em termos de galerias e leiloeiras, e a um ritmo mais lento do que o habitual, o negócio continua.

Published at NS'/IN, Mercado da arte (74) (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 6 de Dezembro de 2008 Portugal Photo João Paulo Serafim

Thursday 4 December 2008

newsfromporto200812


Mariana Silva
Modelo de Arquivo para a Permanência da Imagem, 2007

© A artista Courtesy: Museu de Serralves/BES Revelação 2008

Wednesday 3 December 2008

newsfrombraga200812


Mariana Palma
Sem título, 2008
aquarela sobre papel (70x50cm)

desde € 1.250

© A artista Courtesy: Galeria Mário Sequeira

Monday 1 December 2008

newsfromanywhere200812


when | dreams | become | reality

Quando o espaço para expor é secundário

Experiência da Kurimanzutto define novos conceitos de galeria

Para criar um espaço onde os artistas possam desenvolver a sua carreira, os seus projectos, e ideias, a denominação Galeria é limitativa, devido às conotações económicas e aos mecanismos de exposição e discursos que envolvem as disposições cénicas nestes espaços. José Kuri conjuntamente com Mónica Manzutto e Gabriel Orozco procuraram alternativas, opções para fazer projectos, enquanto existisse como ponto de reunião. Em Agosto de 1999 nasceu a Kurimanzutto. Depois de uma existência nómada, inauguram, hoje, o novo espaço, na Cidade do México.

A condição embrionária da Kurimanzutto, foi, para José Kuri, a de “propor um modelo único, que responde-se às qualidades e características muito próprias dos artistas e do seu processo de criação. Isto deu-nos um inside muito importante, um comportamento cúmplice com os artistas, com o que estão a fazer.” E complementa, nesta condição “o mais importante numa galeria é a arte e os artistas, o espaço é secundário. O que nos interessa é abrir o tempo da arte, não o espaço. O não ter um espaço abre outras possibilidades – se não existe um mercado, porquê abrir uma galeria, porquê abrir uma loja se não tem sentido económico? O que realmente nos interessa é o que acontece na rua, nos espaços alternativos, o que os artistas propõem.”

Como defende José Kuri, “a arte é fundamental para entender a realidade em que vivemos; a arte gera conhecimento, ciência. Seja pelas pronunciações estéticas, ou pela força que transmite na compreensão da realidade.” Esta tem o poder, a capacidade de transformar nem que seja uma única pessoa. E uma pessoa pode transforma uma sociedade.

Ao nível do coleccionismo, no México, existem poucos mas bons (informados e conhecedores). Para a Kurimanzutto são fundamentais, pois “uma galeria cresce com uma geração de artistas, mas também com uma geração de coleccionadores. Um galerista quer colecções que falem dos artistas, depois de alguns anos sejam o espelho de uma época. Por isso é bom trabalhar com poucos, mas que estes também sejam bons coleccionadores – com paixão, conhecimento e saber preservar as obras para além do ímpeto económico ou das modas.”

No México, o mercado da arte é muito pequeno – as instituições públicas não compram –, explica José Kuri, “do qual não dependemos, pois vendemos 90% para coleccionadores internacionais, e só 10% para o mercado interno.” Neste contexto, os Estados Unidos e a Europa representam a maior percentagem de compradores de peças dos artistas representados pela Kurimanzutto. Nomeadamente museus ou outras instituições públicas e privadas. Por exemplo, as obras de Damián Ortega, Gabriel Orozco ou Jimmie Durham podem ser encontradas na colecção de João Oliveira-Rendeiro, ou na Fundação de Serralves.

Actualmente, alguns dos artistas têm um calendário de exposições programadas para dois ou três anos. “Os artistas necessitavam de um centro de gravidade, como um ponto nevrálgico. Mas, de todas as formas, continuamos a considerar a cidade como a nossa galeria.” Há que entender esta nova realidade e trabalhar com ela. Assim, ”o novo espaço da Kurimanzutto agrega uma outra dimensão ao trabalho que fazem”, explica Kuri. Servir como ponto intermédio entre o emergente e o estabelecido.

Published at NS'/IN, Mercado da arte (54) (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 29 de Novembro de 2008 Portugal © Damián Ortega, El cotidiano alterado, Vista da instalação na 50ª Bienal de Veneza, 2003 Courtesy Kurimanzutto