Monday 29 December 2008

Vício Privado, Virtude Pública

História de um coleccionador exemplar: António de Medeiros e Almeida

De entre muitos artistas de reconhecida relevância para a história da arte, a colecção de arte de António de Medeiros e Almeida, inclui pinturas de Pieter Brueghel II, o Jovem (1564-1637) e Jan Brueghel, o Veludo (1568-1625), ou de Giovanni-Battista Tiepolo (1692-1770), por exemplo. Durante o século vinte, António de Medeiros e Almeida (1895-1986) desloca-se pela Europa à procura de peças que satisfaçam o seu gosto – pinturas no mercado inglês, relógios na Suíça, ou as artes decorativas do mercado francês –, apesar das ocorrências políticas caracterizadoras do Estado Novo e do enclausuramento consentido da sociedade portuguesa.

Medeiros e Almeida não é um coleccionador que se fecha dentro do país. Ele procura conhecer o que se faz no mundo, não através da interpretação facultada, mas numa outra região. Na interpretação criada pela sua interacção com as diferentes ordens vigentes e suas contemporâneas.

No decorrer da sua procura por obras de arte para enriquecer a sua colecção, Medeiros e Almeida aprimora e selecciona peças tendo em vista núcleos concretos, bem delineados dentro da sua colecção, por exemplo, temáticos: um conjunto peças relacionadas com a D. Catarina de Bragança, mulher de Carlos II de Inglaterra; ou de unidade autoral: as oito pinturas de paisagens do quotidiano de Jan van Goyen (1596-1655) são representativas das várias fases do artista, e da qualidade caracterizadora da pintura flamenga e holandesa durante a Idade de Ouro desta região. Desta forma a sua colecção encerra múltiplos sub-núcleos que se unem por um denominador comum e complementam-se no seu todo.

Apesar do seu posicionamento histórico, a colecção de António Medeiros e Almeida não é só uma recolecção de objectos com importância histórica, ou que permitam de alguma forma compreender uma determinada época da civilização, esta é uma colecção que também se rege pelos princípios do coleccionismo contemporâneo e, principalmente, permite ao observador compreender o coleccionador.

Conforme expressa Anísio Franco, em texto de catálogo, durante o processo de aquisição de obras para valorização da sua colecção, Medeiros e Almeida “não se limitou a adquirir tudo o que gostaria de ter por lhe parecer belo e agradável ao olhar. Nas suas compras há critérios bem definidos, com áreas bem demarcadas.”

Realidade e Capricho, uma visão particular sobre os distintos inter-relacionamentos na pintura flamenga e holandesa, na colecção de Medeiros e Almeida, termina a 25 de Maio de 2009.

Published at NS'/IN, Mercado da arte (50) (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 27 de Dezembro de 2008 Portugal © Pieter Brueghel, o Jovem – dito do Inferno, O Advogado de Aldeia ou O Cobrador de Impostos (óleo sobre madeira de carvalho, 51,9x83,7cm), 1616 Courtesy Fundação Medeiros e Almeida Casa-Museu

Monday 22 December 2008

E agora o que vai acontecer em 2009?

Paula Rego estabeleceu, com Baying, novo recorde de uma obra sua em leilao

Os artistas contemporâneos procuram nas ruas das cidades a inspiração, os sujeitos para as suas obras, um palco, e também materiais para a concepção das peças. Banksy foi um dos exemplos pragmáticos desta nova geração de artistas que se reporta à persuasão e às múltiplas ligações possíveis, de conceber, neste contexto espacial. Durante o mês de Fevereiro, e enquanto a vitalidade económica circulava pelo mercado da arte, este artista urbano vendia nos vários leilões a maioria das suas obras por valores superiores a cem mil euros. Ainda durante este mês, em Londres, The Lesson (pastel sobre papel, 1997), de Paula Rego, foi adquirido por cerca de 587 mil euros, na Christie’s, e com Baying (pastel sobre tela, 1994) leiloado por 738 mil euros, na Sotheby’s, a artista estabeleceu um novo recorde para uma obra sua em leilão. Num leilão onde o óleo sobre tela Study of nude with figure in a mirror (1969) de Francis Bacon, foi vendido por 26.4 milhões de euros. E agora, o que vai acontecer em 2009?

Paradigmas económico-financeiros

As colecções de arte representam um valor significativo no imobilizado de qualquer instituições, nomeadamente quando confrontadas com factos como os declínios históricos na riqueza mundial, ou o crash bolsista deste Outono. Um caso exemplar é a Lehman Brothers Holdings Inc. que recentemente – depois de abrir falência em Setembro – recebeu autorização do Tribunal de Falências de Nova Iorque para vender em leilão cerca de 6.3 milhões de euros da sua colecção de arte, de forma a poder pagar a alguns dos credores. Entretanto, Richard S. Fuld Jr. (chefe executivo da Lehman Brothers) e a sua esposa colocaram à venda na Christie’s de Nova Iorque obras de arte no valor de 15 milhões de euros – uma colecção privada onde se inclui peças de Jasper Johns, Frank Stella ou Damien Hirst.

A nível nacional o BPN (nacionalizado) e o BPP (apoio financeiro, e a consequente renúncia do cargo de presidente do conselho de administração por João Rendeiro, também Presidente da Ellipse Fundation Contemporary Art Collection) foram os primeiros bancos a sofrer consequências do actual paradigma económico.

Esta situação beneficia a arte e favorece a normalização dos preços aos posicioná-los nos nível de 2002. Os coleccionadores mais sérios vêm com optimismo esta readaptação do mercado, pois cria oportunidades de melhorarem as suas colecções de arte com, o que presentemente já estamos a ver, o que é uma grande procura por obras de extrema qualidade – aqueles coleccionadores e aquelas peças que estão a ser deixadas de fora são os especuladores e as inflacionadas durante estes últimos anos.

A herança económica das indústrias criativas

O Orçamento de Estado tem reservado para 2009 pouco mais de 0,4% (254 milhões de euros) para o Ministério da Cultura (longe do 1%, desejado pelos ex-titulares desta pasta ministerial). Como exprimiu o filósofo francês, Edgar Morin, sobre o conceito ecologia da acção para evidenciar a distância entre teoria e prática – “a política é um dos grandes armazéns desta contradição: a invasão do Iraque pretendia combater o terrorismo e provocou uma escalada terrorista; no comunismo, milhões de militantes são convencidos para trabalhar para a emancipação da humanidade sem saber que o fizeram para uma nova forma de escravatura”.

Politicamente os eventos culturais de expressão internacional – as Cidades Europeias da Cultura – são tendencialmente usados como modelos pragmáticos da capacidade do sector cultural e artístico em dinamizar, de uma forma económica e cultural, cidades e as regiões. No entanto, e relativamente a Guimarães 2012, parece não existirem planos de legado para a comunidade local, para a criação de novos hábitos culturais; mas só existirem preparativos para a edificação de monumentos que perdurem para além das memórias do momento, conjugada com a participação institucional na festa de dimensão europeia.

Assim, e no contexto actual de reajustamento económico, a Educação e a Cultura são menosprezadas. Num período em que estas são as duas áreas fundamentais para o estímulo social e cívico, para incentivar a participação activa da população no crescimento e na criação de uma herança económica.

Published at NS'/IN, Mercado da arte (63) (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 20 de Dezembro de 2008 Portugal © Paula Rego, The Lesson (pastel sobre papel montado em alumínio, 170x150cm), 1997 Courtesy Christie’s 2008

Monday 15 December 2008

O coleccionismo singular de um casal

Julieta e Carlos Rosón criaram, a partir das obras do colectivo madrileno El Paso, uma fundação para incentivar os artistas e participar no processo criativo

Coleccionar arte é uma paixão para Carlos Rosón. A arte “mais do que uma questão estética, é uma questão de movimento que te leva a modificar a forma de entender as coisas, por mínimo que seja”. E encontrar linhas criativas que nos conduzam a algum lugar e de onde podemos regressar. Para Nietzsche o mundo é emotivo e sensorial, mas a análise a este mundo é dependente das estruturas epistemológicas. O coleccionador de Pontevedra (Galiza, Espanha) procura na arte “o prazer, qualquer coisa pode produzir prazer, o caos é beleza”.

Apesar desta paixão por elementos que questionam e provocam afectos diferentes, “é muito raro ver uma obra e comprá-la no ímpeto do momento. Normalmente estudo a evolução do artista”, só depois é que a compra surge, mesmo assim “continuo a acompanhar a evolução do artista.”

Dentro dos diferentes movimentos, o coleccionismo de arte é “um coleccionismo muito oculto, os coleccionistas raramente dizem que são coleccionadores, e muito menos permitem conhecer o que têm”. Apesar desta perspectiva, o conceito originário da Fundación RAC – Rosón Arte Contemporáneo (Pontevedra, Galiza), fundada em Junho de 2007 pelo casal Julieta e Carlos Rosón, apresenta um duplo objectivo: a de “ser depositária da colecção de obras de arte adquirida privadamente” pelo casal, enquanto “a disponibiliza à sociedade de forma a poderem usufruir e conhecer arte contemporânea”; e, a capacidade de “poder participar, conjuntamente com os artistas, no processo criativo”, conforma expressa Carlos Rosón.

A Fundación RAC tem um programa de residências de artistas (Jonathan Hernández em 2007, e Luisa Lambri em 2008), para o qual convidam artistas (que não têm galeria ou nunca tenham exposto em Espanha) para residir na Galiza enquanto concebem um projecto sobre esta região espanhola.

As outras actividades da fundação “consagram aspectos educacionais, como formação, eventos literários ou a publicação de catálogos. No entanto, as compras continuam a ser efectuadas [pelo casal] com orçamento autónomo do destinado ao funcionamento da instituição”, de acordo com o coleccionador. O apoio financeiro à fundação resulta do esforço pessoal do casal, e mais recentemente de algumas empresas locais.

Para Carlos Rosón, a ideia de colecção é “ter uma unidade discursiva, possuir uma certa coerência e uma certa estrutura”. A colecção cresceu do núcleo embrionário dedicado ao colectivo madrileno El Paso. Actualmente, é composta por 250 obras de 120 artistas como: Mona Hatoum, Josiah McElheny, Ugo Rondinone, Ernesto Neto, Damián Ortega, Ivan Navarro, Federico Guzmán, ou Carlos Barragán, entre muitos outros.

A colecção da Fundación RAC apresenta uma forma, um diálogo entre a arte concebida em Espanha e o gerado internacionalmente, mas resulta sobretudo do gosto singular do casal.

Published at NS'/IN, Mercado da arte (52) (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 13 de Dezembro de 2008 Portugal © Ugo Rondinone, All moments stop here and together we become every memory that has ever been (Plexiglass, 160x150x3,8cm), 2002 Courtesy Fundación RAC

Monday 8 December 2008

newsfromfafe200812


black = in need of a new camera

Uma nova paisagem em emergência

Apesar do abrandamento nas transacções, de operações e resultados desiguais, o negócio continua

A crise no crédito bancário está fundamentalmente a redesenharam a paisagem económica e financeira mundial. O colapso da confiança nos mercados de crédito estruturado significa que haverá pouca ou nenhuma margem para os bancos e investidores. Similarmente, também são inevitáveis os efeitos, profundos, na paisagem artística. O mercado – representado principalmente através das galerias, leiloeiras e coleccionadores – vai ser forçado a repensar a sua forma de encarar a economia do sector artístico.

Desde 2003, o mercado para a arte contemporânea sentiu um crescimento (108% de acordo com a artprice), muito derivado da especulação económica e constantemente mediatizada pelos diferentes meios de comunicação externos ao mercado artístico. Nomeadamente no mercado anglo-saxónico, com artistas como Damien Hirst, Francis Bacon, Lucian Freud, ou Banksy. Facto com fraca expressão a nível nacional. No entanto, a muito do público especializado no mercado artístico apraz a presença de verdadeiros coleccionadores, sérios, conjuntamente com a manifesta ausência de qualquer especulação negativa.

Desta forma, a desterritorialização do território artístico terá como consequência a reterritorialização causada pelo desaparecimento das casas mais vulneráveis às flutuações e variações do mercado – naturalmente, os espaços que sofreram mais veemente da embriaguez que comandou as tendências e hábitos neste últimos anos e conotada com a especulação e mediatismo, por um lado; por outro, se a sociedade está à procura de novas formas e alternativas energéticas, se o sector financeiro está a diversificar as fontes de garante da sustentabilidade do sistema capitalista, também deve o sector artístico criar relações com a sociedade em geral nas suas mais diversas formas de expressão.

No contexto nacional e independentemente do número de visitantes, da manifesta ausência de muitos dos coleccionadores nacionais (tanto privados como institucionais), das comparações com ritmos económicos em tempos diferentes ou ainda da natural selecção do mercado - na feira ARTE LISBOA 2008 efectivaram-se transacções de bens. Concentradas em jovens emergente e valores com algum nome no mercado, em suportes mais tradicionais, como pintura, desenho ou escultura/instalações, e fotografia, como Ana Vidigal, Carlos Noronha Feio, Rodrigo Oliveira, José Maças de Carvalho, Cecília Costa ou Miguel Palma, entre muitos outros.

Ou seja, apesar do abrandamento nas transacções, de operações e resultados desiguais em termos de galerias e leiloeiras, e a um ritmo mais lento do que o habitual, o negócio continua.

Published at NS'/IN, Mercado da arte (74) (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 6 de Dezembro de 2008 Portugal Photo João Paulo Serafim

Thursday 4 December 2008

newsfromporto200812


Mariana Silva
Modelo de Arquivo para a Permanência da Imagem, 2007

© A artista Courtesy: Museu de Serralves/BES Revelação 2008

Wednesday 3 December 2008

newsfrombraga200812


Mariana Palma
Sem título, 2008
aquarela sobre papel (70x50cm)

desde € 1.250

© A artista Courtesy: Galeria Mário Sequeira

Monday 1 December 2008

newsfromanywhere200812


when | dreams | become | reality

Quando o espaço para expor é secundário

Experiência da Kurimanzutto define novos conceitos de galeria

Para criar um espaço onde os artistas possam desenvolver a sua carreira, os seus projectos, e ideias, a denominação Galeria é limitativa, devido às conotações económicas e aos mecanismos de exposição e discursos que envolvem as disposições cénicas nestes espaços. José Kuri conjuntamente com Mónica Manzutto e Gabriel Orozco procuraram alternativas, opções para fazer projectos, enquanto existisse como ponto de reunião. Em Agosto de 1999 nasceu a Kurimanzutto. Depois de uma existência nómada, inauguram, hoje, o novo espaço, na Cidade do México.

A condição embrionária da Kurimanzutto, foi, para José Kuri, a de “propor um modelo único, que responde-se às qualidades e características muito próprias dos artistas e do seu processo de criação. Isto deu-nos um inside muito importante, um comportamento cúmplice com os artistas, com o que estão a fazer.” E complementa, nesta condição “o mais importante numa galeria é a arte e os artistas, o espaço é secundário. O que nos interessa é abrir o tempo da arte, não o espaço. O não ter um espaço abre outras possibilidades – se não existe um mercado, porquê abrir uma galeria, porquê abrir uma loja se não tem sentido económico? O que realmente nos interessa é o que acontece na rua, nos espaços alternativos, o que os artistas propõem.”

Como defende José Kuri, “a arte é fundamental para entender a realidade em que vivemos; a arte gera conhecimento, ciência. Seja pelas pronunciações estéticas, ou pela força que transmite na compreensão da realidade.” Esta tem o poder, a capacidade de transformar nem que seja uma única pessoa. E uma pessoa pode transforma uma sociedade.

Ao nível do coleccionismo, no México, existem poucos mas bons (informados e conhecedores). Para a Kurimanzutto são fundamentais, pois “uma galeria cresce com uma geração de artistas, mas também com uma geração de coleccionadores. Um galerista quer colecções que falem dos artistas, depois de alguns anos sejam o espelho de uma época. Por isso é bom trabalhar com poucos, mas que estes também sejam bons coleccionadores – com paixão, conhecimento e saber preservar as obras para além do ímpeto económico ou das modas.”

No México, o mercado da arte é muito pequeno – as instituições públicas não compram –, explica José Kuri, “do qual não dependemos, pois vendemos 90% para coleccionadores internacionais, e só 10% para o mercado interno.” Neste contexto, os Estados Unidos e a Europa representam a maior percentagem de compradores de peças dos artistas representados pela Kurimanzutto. Nomeadamente museus ou outras instituições públicas e privadas. Por exemplo, as obras de Damián Ortega, Gabriel Orozco ou Jimmie Durham podem ser encontradas na colecção de João Oliveira-Rendeiro, ou na Fundação de Serralves.

Actualmente, alguns dos artistas têm um calendário de exposições programadas para dois ou três anos. “Os artistas necessitavam de um centro de gravidade, como um ponto nevrálgico. Mas, de todas as formas, continuamos a considerar a cidade como a nossa galeria.” Há que entender esta nova realidade e trabalhar com ela. Assim, ”o novo espaço da Kurimanzutto agrega uma outra dimensão ao trabalho que fazem”, explica Kuri. Servir como ponto intermédio entre o emergente e o estabelecido.

Published at NS'/IN, Mercado da arte (54) (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 29 de Novembro de 2008 Portugal © Damián Ortega, El cotidiano alterado, Vista da instalação na 50ª Bienal de Veneza, 2003 Courtesy Kurimanzutto

Wednesday 26 November 2008

newsfromlisbon200811


An urban area is land covered with grass and other low plants suitable for grazing animals, especial cattle or sheep

Monday 24 November 2008

newsfromlisbon200811


4A another long passage in a building from which doors lead into rooms

Bom coleccionador é o que preserva as obras

"O objecto, como peça de arte, não tem de ser bonito; tem é de dizer coisas importantes"

A força da arte está em que ela chega do exterior para fragmentar os constrangimentos éticos e morais, questionar as classificações e necessidades contemporâneas, enquanto abre novas perspectivas, cria novos modos de ver o exterior sem qualquer condicionalismo. Para Juana de Aizpuru (directora da galeria homónima, em Espanha), “a arte é vida, e falar da arte é falar da vida.” E acrescenta, “a arte não pode modificar o mundo, mas pode alterar a mentalidade de aqueles que podem alterar o mundo, as escalas de valores que movem o mundo.”

O objecto, como peça de arte, “não tem de ser bonito, reger-se pelos padrões clássicos do belo, mas ‘dizer’ coisas importante. As quais, nós – os observadores – temos de escutar, e saber ouvir. O artista comunica sentimentos, que nos forçam a pensar, a reflectir para que a convivência entre os seres humanos seja o mais importante.” Na sua convivência com obras de arte, independentemente da sua beleza, Juana de Aizpuru sabe que existem outras camadas de informação a um nível mais profundo, muito mais interessantes e enriquecedoras, as quais reflectem as preocupações contemporâneas de uma forma que devemos absorver, adoptar, enquanto passamos um bom momento acompanhado por estes objectos.

O artista contemporâneo, conforme expressa Aizpuru, “não se ergue para conceber objectos belos, mas sim expressar sentimentos.” As pessoas estão enredadas num momento civilizacional de crescente predomínio da homogeneização cultural e tendências materialistas; de expressão global; crescentemente mais informada mas de menos cultura; cada vez mais se abandonam as paixões, o afecto. “O artista hoje tem um papel diferente quando comparado com o do renascimento, por exemplo; ele possui a capacidade de nos dar as pautas do individualismo, de sermos indivíduos, singulares.” E não mais uma expressão num corpo, numa máquina desprovida de qualquer sentimento e valor humanista.

Na sociedade contemporânea o mercado é quem manda, sustenta Aizpuru. “Hoje, as pessoas viajam para consumir, não para compreender – viaja-se à China ou à Índia, mas vai-se para consumir, não para contactar, adoptar ou enriquecer-se o ser humano com aquelas culturas.” O que se vai procurar em Xangai pode ser encontrado nos Estados Unidos, em França ou em Portugal: os mesmos artistas, os mesmos restaurantes, as mesmas tendências, as mesmas experiências.

Juana de Aizpuru dedica-se a “promover os artistas, a aplanar o seu caminho para que o seu trabalho sejam o mais fácil possível.” Desta forma, o seu agenciamento no mercado da arte está na condição de “que as obras produzidas pelos artistas cheguem da forma mais fácil e rapidamente aos seus destinatários, o público e os coleccionadores, quer públicos quer privados.” Aizpuru reforça a ideia de que “um bom coleccionador não é o que só compra obras, mas também o que as preserva. Um coleccionismo assente no amor à arte e pelo conhecimento.”

Mas, evidentemente, uma parte da promoção como galerista é a venda, é “poder colocar as obras em museus importantes e nas melhores colecções.” A arte floresce e triunfa não como um hobby, um investimento, ou uma carreira, mas como o que é e o que foi – uma vida, defende ainda Juana de Aizpuru.

Published at NS'/IN, Mercado da arte (54) (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 22 de Novembro de 2008 Portugal © Alberto Garcia Alix, La Gata, 2001 Courtesy Galeria Juana de Aizpuru

Wednesday 19 November 2008

Tuesday 18 November 2008

Discussão e arte além da Feira

Ciclo de debates e secções paralelas interrogam a própria linguagem artística

A Feira ARTE LISBOA, em parceria com a ARTECAPITAL.NET, oferece um ciclo de debates concentrado em algumas ideias fortes: o coleccionismo de fotografia no mercado ibérico, a mundialização das feiras de arte, as novas formas de investimentos em arte e as virtudes e limites do pós-colonialismo na arte contemporânea. Este espaço de debate e confluência de ideias tem a participação de vários agentes artísticos: coleccionadores, galeristas, críticos, curadores, directores de museus.

Painting and other stories, linha orientadora e título da secção do Project Rooms, comissáriada este ano por Paco Barragán, reúne uma série de artistas que inquirem e interrogam o próprio meio pictórico: Rui Macedo, Rodrigo Oliveira, Fabrizio Matos, Inês Botelho, e Sara & André (Portugal); Toño Barreiro, Lídia Benavides, Chus Garcia-Fraile (Espanha); Ruth Root (Estados Unidos); e Steve Schepens (Alemanha).

Representado pela MCO Arte Contemporânea (Porto), Fabrizio Matos (1975) é um dos artistas incluído este ano no Project Rooms. Nas novas pinturas (1750 a dois mil euros) desenvolvidas por Fabrizio, somos confrontados com uma abordagem documental sobre a realidade de uma forma quase cinematográfica (anotações imobilizadas no espaço pictórico sobre as múltiplas possibilidades de abordagem relacional com a realidade). Espaços territoriais que nos fazem lembrar os horizontes e ambientes nos textos de Camilo de Castelo Branco, enquanto expressa o questionamento da realidade. As obras de Fabrizio estão posicionadas na confluência da ilusão inerente na obra de Manoel de Oliveira e da existência aristocrática nos finais do século XIX. Mas inscrita num contexto latente muito particular – no diálogo contínuo entre o movimento e o tempo.

Faca Meteórica, de 2008 (11 660 euros), foi uma das peças apresentada na exposição Meteorítica (Galeria Graça Brandão, Lisboa de 19 de Setembro a 1 de Novembro). A dupla João Maria Gusmão + Pedro Paiva (representados pela Galeria Graça Brandão) obrigam-nos frequentemente a movimentar-nos por entre as suas obras como um exercício antropocêntrico. Nomeadamente nos filmes em 16mm quase-arqueológicos espalhados no espaço. Onde, como participantes-observadores, somos obrigados a vaguear por entre diversas representações do mundo natural. Alternadamente somos e estamos inseridos na imagem através da ausência da própria imagem, mas como sombras. Ao nível da fotografia, Acerca do espírito da gravidade ou As Cobras Fossilizadas, 2007 (6960 euros) remetem-nos para testemunhas físicas, manifestações da nossa contínua presença na história.

Pedro Cabral Santo (1968) é representado pela VPF Cream Art (Lisboa). Quer através de vídeo ou instalações o percurso estético do artista debruça-se sobre questões relacionadas com o ‘devir da linguagem’. Nomeadamente sobre o excesso imagético caracterizador da sociedade contemporânea, ao procurar desconstruir a persistente ausência da capacidade de juízo. Recentemente, Pedro Cabral Santo expôs no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, o vídeo The ice cream from space #2 (2004-08) e a peça Ponto Azul (2008), inserido no ciclo de exposições de arte contemporânea, ‘The Return of the Real’ (19 de Julho a 4 de Outubro) e anteriormente o CAMJAP (12 de Março a 22 de Junho) apresentou a exposição individual ‘TILT’, onde estavam reunidas algumas da mais importantes do percurso do artista.

Published at NS'/IN, Destaque (51-54), (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 15 de Novembro de 2008 Portugal © Fabrizio Matos Courtesy The Artist

Aquisição de obras de arte é o refúgio dos investidores

Ivânia de Mendonça Gallo, directora da ARTE LISBOA, salienta o aumento de participação no certame

Do ponto de vista do investimento, quais são as características actuais do mercado internacional de arte?
O abrandamento da economia, a crise financeira ou a crescente insegurança noutros sectores que tradicionalmente captavam investimentos estão a conduzir os seus clientes e investidores a procurar outros destinos para diversificar as suas aplicações. Um desses “valores refúgio” que está a ter maior protagonismo é o da aquisição de obras de arte como investimento a médio-longo prazo.

A European Fine Art Foundation que organiza a feira The European Fine Art Fair (TEFAF), informou este ano, após a realização do evento, que as vendas praticamente duplicaram desde 2002.

Quais são as especificidades da paisagem artística nacional?
Portugal desenvolveu nos últimos anos uma paisagem artística complexa, onde não faltam instituições de formação artística de grande prestígio, uma rede bem articulada de galerias privadas e uma série de espaços públicos e privados vocacionados para a promoção e exposição de arte contemporânea nacional e internacional.

Qual é a vantagem diferenciadora da ARTE LISBOA quando comparada com outras feiras de arte contemporânea, internacionais?
A ARTE LISBOA é a única feira de arte contemporânea que se realiza em Portugal e o nosso modelo está dimensionado de acordo com o mercado nacional e muito próximo, em termos de regulamento, com as restantes feiras congéneres. Tem a particularidade de apresentar um maior número de galerias e artistas portugueses mas recebemos muitos visitantes estrangeiros, especialmente espanhóis. Somos uma feira exportadora da produção, neste caso, artística, nacional.

Está à frente da ARTE LISBOA desde 2005. Como percepciona a evolução do mercado artístico português nestes últimos anos? E de que forma a ARTE LISBOA potenciou a evolução do mercado nacional?
A ARTE LISBOA acompanha a evolução do sector, que cada vez é mais profissional, mais internacional e ambicioso. Há mais galerias portuguesas e mais centros de arte que criam oportunidades para a produção, apresentação e comercialização de obras de arte. Assistimos também a uma maior descentralização dos espaços nacionais dedicados à exposição de arte contemporânea, bem como a uma progressiva internacionalização do circuito artístico. Existem também mais coleccionadores interessados em adquirir peças de artistas contemporâneos, consagrados e emergentes e o principal objectivo da ARTE LISBOA tem sido suscitar o máximo interesse de novos compradores, de profissionais, do público em geral, de modo a que encontrem nesta feira de arte contemporânea, bem como no resto das actividades programadas para este encontro, uma excelente oportunidade para conhecer melhor a oferta da cena artística actual. Reúne as principais galerias portuguesas e tem constituído uma ocasião única para coleccionadores institucionais, privados e outros adquirirem obras de artistas com percursos consolidados e emergentes. Para os galeristas, as vantagens da sua presença na ARTE LISBOA são também evidentes, porque lhes oferece a oportunidade de impulsionar a sua actividade num evento que tem vindo a afirmar a sua qualidade e notoriedade junto dos coleccionadores e do público interessado na arte contemporânea nacional e internacional.

Para este ano, o que poderemos esperar da ARTE LISBOA?
A próxima ARTE LISBOA que iremos inaugurar no dia 19 de Novembro apresenta-se como a maior edição da sua história, com 70 galerias expositoras e numerosos eventos paralelos. Oferece um conjunto abrangente de galerias representativas da criação artística actual que se focalizam na apresentação de valores consagrados e jovens emergentes que recorrendo a suportes diversos, pintura, escultura, instalação, fotografia, vídeo, manifestam incontestável criatividade e valor artístico. Posso destacar ainda a apresentação de uma área de projectos com curadoria de Paco Barragán, que inclui obras encomendadas especificamente para a feira a um grupo de artistas portugueses e internacionais.

Published at NS'/IN, Destaque (51-54), (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 15 de Novembro de 2008 Portugal © Pedro Ramada Curto

Uma feira para juntar arte e economia

ARTE LISBOA 2008 mobiliza 70 galerias de arte contemporânea com uma selecção que representa uma aposta na qualidade criativa e valor artístico em vários suportes.

A oitava edição da Feira de Arte Contemporânea ARTE LISBOA, que se realiza entre os dias 19 e 24 de Novembro, no Parque da Nações, em Lisboa, deverá oferecer um patamar que envolve outras duas estruturas sociais – arte e economia – necessárias para a regeneração do contexto cultural vigente.

Este ano, a ARTE LISBOA, que se apresenta como a maior edição de sempre, tem uma selecção que representa uma aposta na qualidade criativa e valor artístico dos artistas nacionais e internacionais, em vários suportes. À participação das 70 galerias de arte contemporânea (45 galerias nacionais e 25 estrangeiras) alia-se um movimento inédito de inaugurações simultâneas nas galerias de arte de Lisboa. Dois acontecimentos privados dirigidos essencialmente aos cidadãos nacionais. Mas qual é o papel do Estado? De que forma está representado e participa na regeneração de uma área especifica da sua cultura? Os espaços museológicos estão mais uma vez ausentes, alheios às iniciativas da sociedade civil.

Apesar de ser um mercado concentrado geograficamente nos grandes centros, Lisboa e Porto (como é habitual e ocorre na grande maioria dos outros países), este ano associam-se na feira às mais importantes galerias de arte contemporânea nacionais 5 novos espaços expositivos: Art Form, Bernardo Marques, Leonel Moura, Pente 10, e Nuno Sacramento. De Espanha apresentam-se 21 propostas, enquanto o Brasil, Moçambique, Alemanha e a Coreia estão presentes com uma galeria cada.

Relativamente a anos anteriores, a ARTE LISBOA apresenta um crescendo quer em número total de galerias participantes, quer na quantidade de países representado: o ano passado estiveram presente 47 galerias nacionais e 19 internacionais; enquanto em 2006 a feira contou com a presença de 64 galerias representativas de 6 países (47 nacionais e 17 estrangeiras). Em 2007, a feira foi visitada por 17 554 pessoas, um decréscimo em relação a 2006, o qual registou o maior número de visitantes de sempre, a feira contou com a presença de 19 283 visitantes.

Published at NS'/IN, Destaque (51-54), (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 15 de Novembro de 2009 Portugal © Fernando Bermejo, vista de exposição Fernando Bermejo, na Galeria Del Sol ST. Art Gallery, 2008 Courtesy Arte Lisboa e Del Sol St. Art Gallery (Santander, Espanha)

Monday 10 November 2008

Motivado e impelido pela paixão

Coleccionadores acreditam que actual crise não será tão depressiva como no ínicio dos anos 90

Obras emblemática preservadas em colecções privadas durante algumas décadas, como Archisponge RE 11 de Yves Klein (20 milhões de euros), Abstraktes Bild (710) de Gerhard Richter (3,5 milhões de euros), Untitled (Boxer) de Jean-Michel Basquiat, Great American Nude #21 de Tom Wesselmann (4,7 milhões de euros), Half Face with Collar de Roy Lichtenstein (12 milhões de euros), e de outros artistas contemporâneos, vão estar presentes nos leilões de Inverno, em Nova Iorque. Os leilões na Sotheby’s, Christie’s International e Phillips de Pury & Company apresentam uma selecção de pinturas, esculturas, desenhos e fotografia concebidas por artistas provenientes da Ásia, América Latina, Médio Oriente, Europa e dos Estados Unidos, entre os dias 11 e 14 de Novembro. As três leiloeiras esperam alcançar um resultado mínimo de 500 milhões de euros, para as cerca de 1200 obras de arte contemporânea.

De certa forma, a própria globalização do mercado da arte permite encontrar respostas e garantias para a actual turbulência financeira dentro de si mesmo. É obvio que durante os próximos tempos vão existir muitos ajustamentos, tanto no mercado primário como no mercado secundário. Apesar de os leilões realizados nas últimas semanas apresentaram resultados muito abaixo das estimativas mínimas, este período não será tão depressivo como nos inícios dos anos 90 (época onde o mercado secundário de arte era essencialmente controlado pelos coleccionadores japoneses, enquanto hoje estes se encontram também em mercados emergentes como o Médio Oriente, a Ásia, a América Latina e a Rússia).

Relativamente ao mercado primário (galerias e feiras), este apresenta-se com melhor saúde, pois:

a) Os coleccionadores que adquirem obras nestes espaços são indivíduos interessados em arte – e o coleccionador que compra por paixão, abdica de comprar outras coisas para poder comprar arte;

b) são espaços pragmáticos para o controlo do momento de aquisição, permitem maior tempo de consideração para a compra de uma de obra de arte, por oposição ao secundário.

a) São espaços em que predominam pessoas na qual a primeira intenção é o investimento em nomes e obras já validadas pelo mercado – e no qual durante anos foram encorajados por uma motivação inflacionária artificial;

b) os leilões são ambiente em que as decisões são mais impetuosas dadas as condições próprias dos leilão, não há tempo para pensar, principalmente quando existem dois ou mais interessados.

Aparentemente ainda existe muito dinheiro para investir em arte e para a minha volúpia, as recessões económicas são difíceis para as pessoas, mas não o são para a Arte. Estes são momentos em que a excepcionalidade criativa é proporcionalmente correspondente à intensidade do abrandamento no ritmo de crescimento da actividade económica. Não que a pobreza e a privação sejam as virtudes artística, mas neste caso a especulação económica não será o único elemento para avaliar o sucesso de um artista. Esta conjuntura permite aos artistas experimentar mais do que produzir, traduzir novas experiências e sensações de uma forma estética, e o verdadeiro coleccionador começar a comprar.

Published at NS'/IN, Mercado da arte (52), (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 8 de Novembro de 2008 Portugal © Yves Klein, Archisponge (RE11), 1960 Courtesy 2007 Sotheby’s