Tuesday 24 February 2009

Museus e Fundações, para que precisamos deles?

Para que servem os museus? Estes espaços têm uma colecção privada para ser usufruída por uma comunidade, é um espaço onde podemos ver os outros a olharem para nós.

No actual paradigma, quem é que vai trazer riqueza para o mercado das artes? As grandes instituições que normalmente deveriam comprar, como a Culturgest ou a Fundação de Serralves, por exemplo.

Não é ao encetarem uma política conservadora e proteccionista, mas o oposto, ao voltarem a comprar obras de arte aos artistas, ou a quem os representa.

E a urgência é tanto maior quanto mais tarde se começar, pois não só o mercado não dá sinais de retoma, como o seu constrangimento vai se sentir mais a longo prazo. A alteração desta situação permite corrigir a contracção do mercado, por um lado, mas sem obviamente existir um reajustamento que implica o encerramento de galerias e outros espaços expositivos a curto prazo, por outro.

No entanto, em causa nesta contracção e futura depuração do mercado está, sobretudo, a incapacidade das entidades compradoras de saberem avaliar o valor das obras ou peças anteriormente adquiridas e que, entretanto, nos últimos meses perderam valor e mercado.

Assim, quando existem situações económicas menos favoráveis socialmente, os museus apertam os seus orçamentos e normalmente reduzem ou cancelam exposições e aquisições. Essa é exactamente a reacção errada. De facto, este é o momento ideal para as instituições culturais explorarem e enriquecerem as suas colecções enquanto se apresentam como laboratórios de experimentação da arte contemporânea.

Published at NS'163/IN#059, Mercado da Arte (78), (Diário de Notícias N.º 51186 e Jornal de Notícias N.º 259/121), 21 de Fevereiro de 2009 Portugal © Jochen Lempert, Sem Título (Fogo), 2007 Courtesy: the artist and Culturgest

Christopher Wool

Museu de Serralves (Porto)
Christopher Wool

The heavy silence and emasculation that characterise the Serralves rooms has became diluted by Christopher Wool’s painting and silkscreen work. Reduced abstractions that unleash layers of sound, unheard music overcoming those sumptuous white spaces. There are street encounters along the route with particular note, beats, control, and rhythms. These paintings are translated into a withdrawal from reality and from personal interaction into desire and delusion, with a sense of fragmentation.

Through untitled silkscreen to untitled painting, an urban schizophrenia is translated into a pictorial context. The institutionalized interior space that delimits the museum from the urban area surrounding it is brought down by the inconsistent and contradictory elements demarking the 35 large-scale surfaces. As on an urban set, through streets and parks, from private places to public spaces and therein, we walk in erratic wet brush strokes and prearranged accidents, sinking in to the residual paint’s appearance and disappearance.

Painted symbols, most of them were made between 2006 and 2008 and a few conceived previously; some are manmade marks while others are more mechanical – enamel on linen or silkscreen ink on paper. Wool’s painting style depicts urban decay: he erases, replace and covers up in layers small areas on a surface with different lines, spots, stains and colours. Transforming what is generally accepted as the reality of a disciplined space into an idiosyncratic belief maintained by the work’s disorder.

A flow of strong, regular, disorderly repeated patterns of movement and arrangements, playing like notes on a white page or blank canvas. These large-scale vertical impositions become sensorial portals into different territories. Meanwhile, those discomforting deviations reverberate in individual uttered sounds experienced as recognizable, internally expressed opinions.

Moving on to a different set from the one he made with the painted phrases, his work still has a hardcore combination of defiance, intelligence and visual talent. Nevertheless, this anti-establishment is pitch-perfect for today’s market. Through these pictures Wool express something, then weaken it; he makes an argument then rejects it, while comprising the whole and then exploding the components.

Published at Lapiz, Revista Internacional de Arte. Año XXVIII, Núm. 250_1 (183), Febrero_Marzo 2009 España © Christopher Wool, "Untitled", 2007, pintura sobre tela, 269,24x243,84cm.

Monday 23 February 2009

O fim de uma era é a continuação do ciclo

Época de fausto e de ilusão acabou, mercados tendem para a estabilização

O resultado dos leilões de Fevereiro, em Londres, de impressionismo e arte moderna, nas duas maiores casa internacionais, foi o primeiro teste ao mercado da arte em 2009. Os leilões equivaleram a cerca de 140 milhões de euros, de um total de 507 lotes a leilão (em 2008, nos mesmos leilões, obtiveram cerca de 360 milhões de euros). A época dos grandes banquetes, fausto e da ilusão, da ostentação pode dar-se por encerrada, e só reabre em uma década.

As casas leiloeiras foram sensíveis ao actual clima económica ao reduziram os valores das estimativas e do catálogo disponível, mas o que também ajudou os leilões a alcançarem as marcas actuais, é o actual valor da libra em relação a outros mercados monetários, assim como a disponibilização de peças, novas para o mercado e oriundas de colecções privadas.

São estes resultados a expressão da estabilização do mercado? As vendas demonstraram que quando se apresentam peças de qualidade, novas e a preços adequados para o mercado – longe dos preços entusiásticos praticadas nos últimos anos –, as transacções sobre peças de valores estimados, inflacionados em relação à crescente tendência dos valores das obras, são responsavelmente evitadas pelas pessoas presentes no mercado, enquanto este continua no seu ciclo sucessivo natural.

Com um valor total mínimo estimado em 54 milhões de euros (antes da venda), os dois leilões da Sotheby’s geraram 48 752 mil euros, valor representativo sobre os 146 lotes vendidos – 82% dos lotes disponíveis. Na rival Christie’s, foram adquiridos 78% dos 328 lotes disponíveis nos três leilões, no total de 91 429 mil euros.

A pintura, de 1876, do impressionista Claude Monet, Dans la Prairie, um retrato da sua mulher, Camille, reclinada e a ler num campo de flores, foi adquirida por 12 milhões de euros (16 milhões de dólares) por um coleccionador privado (em Novembro de 1999, esta obra foi licitada por 15.4 milhões de dólares).

No entanto, durante esta semana o preço mais elevado pago – por um coleccionador asiático – foi para a escultura em bronze Petite Danseuse de Quatorze Ans, de Edgar Degas. Adquirida por 14 milhões de euros, ou 13 milhões de libras (a escultura tinha sido adquirida em 2004, também em leilão da Sotheby’s, por cinco milhões de libras), um recorde para uma escultura do artista em leilão.

Outro recorde, para uma peça em leilão, foi conseguido pelo óleo sobre tela Au Moulin Rouge (1893) de Louis Anquetin, adquirido por 493 mil euros, com valor estimado mínimo de 220 mil euros.

Published at NS'163/IN#059, Mercado da Arte (78), (Diário de Notícias N.º 51186 e Jornal de Notícias N.º 259/121), 21 de Fevereiro de 2009 Portugal © Claude Monet, Dans la Prairie (óleo sobre tela 60,3x82cm), 1876 Courtesy: Christie's

Carlos Noronha Feio

Sopro – Projecto de Arte Contemporânea (Lisboa)
A A and Away

The relations between art, artworks, artists and the institutional power have been defining biopolitical reorganization and the imposition of new aesthetic regimes. Carlos Noronha Feio has chosen this sphere as the subject matter to the exhibition at Sopro Projecto de Arte Contemporânea. Contemporary artists work globally on subjects that are relevant to a globalising society, while they conceive creative forms that are related to way of doing and making specific to each territory.

The exhibition is a combination of video and video performances, painting, handcrafted rugs. The artist plays with the human situation and the circumstances of life in all their bareness. Carlos Noronha Feio registered this in video and video performances, such as A of Afghanistan (2008), and Simple Movements for a meaning – Campos Neolíticos nos arredores de Arraiolos (2008): we see the artist running around looking and marking out places, like an animal defining his territory with urine; or as in Simple Movements for a meaning – Castelo de Arraiolos I (2008): like pirates hiding lost treasures he digs and marks the place with a cross.

In one of the rooms, five hand-made Arraiolos’ rugs refer to the transcultural condition. The Afghan condition is imbedded in the Portuguese surface: Rockets up and down down and up (Good news) or Satellite (Good news – birth and fertility – fate, wheels of fortune), both from 2008, become the assimilation of the otherness by a national product.

These artworks are an analysis on the irresolvable internal contradiction or the logical external disjunction that derive from culture. The exhibition is marked by internal boundaries and power relationship, where the artworks have subjective assumptions in the communication of realities, while being abstractions of what identity is.

Published at Lapiz, Revista Internacional de Arte. Año XXVIII, Núm. 250_1 (186), Febrero_Marzo 2009 España © Carlos Noronha Feio, "Satellite (Good news - Birth and Fertility - Fate, Wheels of Fortune)", 2008, tapiz de lane siguiendo la técnica artesanal de Arraiolos, 216x122cm.

Sunday 22 February 2009

Mara Castilho

Galeria 111 (Lisboa)
Mara Castilho: Trapped inside my head

Really, the question posed by the nature of the work Trapped inside my head by Mara Castilho, showing at 111 gallery, does not differ from that of the purpose of the sacrifice – an offering to death. Being trapped inside oneself it is an unpleasant situation it is hard to escape, while in the act of becoming trapped, one gives up something valued for the sake of something else regarded as more worthy, in order to persuade someone to do something that they would not otherwise want to do, by means of deception.

The first thing we notice is a video installation, Untitled (2008), which projects a human figure on to the floor. Tranquillity lends strength and a sense of peacefulness surround a prostate, nude woman with anxious breathing, suggesting nature’s fertility. However, this projected body lying on a green carpet of turf traces back to fields where thousands of death bodies lie, testimonies from the Balkans war.

However, on the other side of the exhibition space, the video projection Sarajevo: Walking Through Rubble (2008), show us a half-naked body on a transparent morphogenesis surface. This work makes reference to the thousand of bodies thrown in to Sarajevo river, while streaming images of decay and destruction pass in slow motion.
But in the work that entitle the exhibition Trapped inside my head (2008) – two plasma screens – the sacrifice remains open to the representation of what repels us.

The exhibition is accompanied by two more works, however the whole assemblage – the object, the subject and the observer – does not differ substantially from what the Aztecs had came to see at the base of a pyramid, where the victim’s heart was to be torn out. It is the testimony that we follow a lineage of sacrifices, sacred murders made by the thousands. Art may have finally liberated itself from the service of political dictates but it maintains it servitude with regard to horror. Castilho’s art puts us on the path of complete destruction and suspends us in time – it offers pure pleasure without real death.

Published at Lapiz, Revista Internacional de Arte. Año XXVIII, Núm. 250_1 (184), Febrero_Marzo 2009 España © Mara Castilho (left): "Waiting I", 2008, impresion en caja de luz, 44x70cm; (right) "Untitled", 2008, impresión sobre tela, 80,5x119,5cm.

Tuesday 17 February 2009

Condições transculturais

As relações entre arte, objectos de arte, artistas e os poderes institucionalizados desde sempre definiram as reorganizações biopolíticas e as imposições de novos regimes estéticos. Os artistas contemporâneos trabalham globalmente sobre assuntos globais, enquanto concebem formas criativas que estão relacionadas com os modos de fazer e de actuar específicos a cada identidade própria.

Depois da exposição colectiva na Reflexus Arte Contemporânea, no Porto, em Janeiro, Carlos Noronha Feio (1981) presentemente expõe na Sopro – Projecto de Arte Contemporânea, em Lisboa. O trabalho concebido por Noronha Feio inscreve vários meios, uma combinação de vídeo e performances, pintura ou o artesanato nacional. Por exemplo, os cinco tapetes de Arraiolos idealizados pelo artista sobre questões culturais afegãs, mas concebidos pelas urdidoras desta vila alentejana, reportam à condição transcultural contemporânea: Rockets up and down and up (Good News), por €2000 euros, ou Satellite (Good News – Birth and Fertility – faith, wheels of fortune), por €2200. As peças concebidas por Carlos Noronha Feio, posicionadas neste contexto, são uma análise ás irresolúveis contradições internas ou às lógicas disjunções externas derivadas da cultura.

Published at NS'162/IN#058, Mercado da Arte (78), (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 14 de Fevereiro de 2009 Portugal © Carlos Noronha Feio, Rockets up and down and up (Good News) (Tapete de Arraiolos, 194x110 cm), 2008 Courtesy: the artist e Sopro – Projecto de Arte Contemporânea

Monday 16 February 2009

O espaço próprio do coleccionador

Carlos Róson apresenta o resultado de uma residência da fotografa Luisa Lambri em Pontevedra.

Para quem fotografa arquitectura, as imagens de Luisa Lambri (1979) mostram um universo distinto do objecto fotografado. As suas imagens tendem para uma expressão poética desvelada de uma realidade aparentemente sensual.

Uma colecção reflecte o ego do coleccionador ou do seu mentor. O seu valor é um reflexo da importância, do respeito, da imagem e da confiança do coleccionador em si próprio. Ela transmite uma visão especializada e específica dos gostos e costumes de quem a concebe e edifica. Não é o simples facto de gostar ou mesmo em sentir um interesse, mas de tomar opções contrárias ao preconcebido ou ao gosto pessoal e de inserir uma peça no conjunto, uma obra que irá compor e elogiar esta visão própria de quem colecciona arte.

Carlos Rosón exprime a sua intenção participativa no mundo da arte contemporânea quando apresenta, no seu espaço, o resultado da residência de Luísa Lambri em Pontevedra, Espanha. O convite permitiu a criação de um novo corpo de trabalho por parte da artista, um conjunto de fotografias em que Lambri experienciou um determinado contexto arquitectónico, mas da mesma forma que este poderia ter sido ocasionado por um outro enquadramento espacial.

Um verdadeiro coleccionador tem normalmente uma paixão por arte. A motivação varia e normalmente tem pouco, ou nada, de ganho financeiro – neste sentido os especuladores são os primeiros a procurar outras alternativas em tempos de menor euforia. Assim, esta exposição consciente, ou não, determina o desenvolvimento de um conjunto disperso de peças à constituição de uma colecção, à exposição de motivos e causas determinadoras de condutas, hábitos, ou costumes socioculturais.

O resultado mais visível está no deixar uma marca na sociedade contemporânea. Através de testemunhos, arquivos – da arte – uma colecção transmite a outras gerações os acontecimentos e preocupação de uma época ou de uma sociedade. O mais provável è a cedência ou a doação da colecção a uma instituição museológica, de forma a esta visão ser preservada e mantida intacta. Do mesmo modo como podemos encontrar a persona de Lambri nos espaços fotografados – a sensibilidade da exposição, o captar o jogo entre luz e sombras, o que poderá ser – e não a dos seus arquitectos.

Published at NS'162/IN#058, Mercado da Arte (78), (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 14 de Fevereiro de 2009 Portugal © Luisa Lambri, Untitled (Centro Galego de Arte Contemporánea, 2008 Courtesy: the artist e Fundación RAC

Wednesday 11 February 2009

A ARCO e o resto

A feira em números: 244 galerias oriundas de 31 países e 35 projectos de experimentação artística comissariados por Moacir dos Anjos, Susanne Neubauer ou David G. Torres. Paralelamente à ARCO decorrem múltiplas inaugurações, festas e eventos promovidos por diferentes espaços da cidade de Madrid. A Art-Madrid realiza-se entre 12 e 16 de Fevereiro (estão representadas cinco galerias nacionais no programa geral); o Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía apresenta uma exposição de um dos mais representativos fotógrafos espanhóis das últimas décadas, Alberto García-Alix (De donde no se vuelve); a galeria Helga de Alvear, expõe Los penetrados de Santiago Sierra; e a Juana de Aizpuru mostra trabalhos de Fernández Sánchez del Castillho; enquanto no espaço La Fabrica está patente a exposição Park Portraits, fotografias de Rineke Dijkstra. Com início no dia 11 de Fevereiro, La Casa Encendida apresenta um ciclo de cinema de autor, documentários independentes e videocriação dedicado à tradição artística e criativa fomentada pela Índia. Dotado de uma identidade artística muito própria, o Matadero Madrid apresenta o resultado de um laboratório de investigação urbana – Alter Polis – onde oito equipas de arquitectos desenvolveram propostas sobre a relação entre a cidade, utopia e humanismo. A presente edição de Madrid Abierto é dedicada às práticas emergentes que se envolvem com o contorno urbano – 76 artistas oriundo de todo o mundo mostram exemplos da participação da arte no tecido social urbano e invocam a participação pública na obra.

De volta aos números. Nos últimos 17 anos, o índice do valor do segmento arte contemporânea teve um crescimento de 132%. Entretanto, nos últimos doze meses o segmento arte moderna aumentou de 12,5%. Actualmente, vive-se um período de correcção, bastante salutar para a sustentabilidade futura do mercado da arte. Assim, se em 2008, a ARCO encerrou com um aumento de 15% em vendas, qual é a aposta para 2009?

Published at NS'161 (38-39), (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 7 de Fevereiro de 2009 Portugal

Entrevista : Lourdes Fernández, directora da ARCOmadrid 2009

Do ponto de vista do investimento, quais são as qualidades do mercado da arte?

A arte contemporânea, como todos os bens tangíveis, é um objecto de investimento mais seguro que os produtos financeiros, que estão mais sujeitos aos vaivéns da economia. Apesar de que num momento de crise tão grave como o que estamos a viver, é necessário falar com cautela, a arte e, especialmente, a contemporânea, devido à sua grande revalorização, é um excelente valor refúgio. Uma grande obra de um artista reconhecido nunca irá perder valor. Para além disso, no caso da arte, junta-se a isto o poder desfrutar da peça, o valor decorativo, cultural e criativo que, obviamente, não têm os produtos financeiros.

Portanto, pode inclusive ocorrer o movimento contrário e que os investidores, que neste momento podem sentir desconfiança face aos investimentos de bolsa ou aos fundos, se inclinem para este tipo de produtos. É necessário, de qualquer modo, ir com cautela e esperar os acontecimentos dos próximos meses.

Quais são as especificidades do panorama artístico espanhol?

O panorama da arte contemporânea espanhola é actualmente muito diverso. Os criadores são herdeiros da longa tradição artística do nosso país, não só dos grandes mestres da história, mas também das figuras indispensáveis do século XX. Mas, para além disso, os artistas espanhóis actuais estão a transformar a sua própria linguagem, incorporando as novas tecnologias, explorando as possibilidades da vídeo-arte... Estamos num momento muito interessante em Espanha, tanto para a criação artística como para o coleccionismo.

Qual é a vantagem que diferencia a ARCOmadrid de outras feiras internacionais de arte contemporânea de grande importância?

Cada feira de arte contemporânea tem a sua idiossincrasia. A ARCOmadrid tem como trunfos mais fortes a aposta nos mercados emergentes como a Ásia, que têm ganhando importância na feira ano após ano, e a ligação com a América Latina, que faz com que o certame seja uma das vias de entrada das galerias de toda a Ibero-américa para a Europa. A isto junta-se que no mês de Fevereiro, a cidade de Madrid se transforma num caldeirão em ebulição de actividade cultural, onde todas as salas de exposição abrem as suas portas e oferecem programações que se juntam ao projecto da ARCOmadrid, dando uma grande visibilidade ao país convidado, como nesta ocasião o é a Índia. Sem dúvida, isso é o que diferencia a ARCOmadrid de outros eventos similares.

É directora da ARCOmadrid desde 2006. Qual é a sua percepção da evolução do mercado espanhol nestes últimos anos?

Como já referi anteriormente, há uma tendência cada vez maior para a exploração dos novos meios, das novas tecnologias... uma procura constante de formas de expressão diferentes. Mas, paradoxalmente, também se está a constatar um certo regresso à pintura, ao figurativo, mas incorporando frequentemente elementos da cultura globalizada e referências à actualidade.

E de que forma a feira impulsionou a evolução de um mercado nacional, espanhol?

Ao longo das quase três décadas de existência da ARCOmadrid, o mercado espanhol transformou-se completamente e penso que a feira teve muito a ver com este facto. Os dois pontos principais são, por um lado, o fomento do coleccionismo institucional e corporativo, com uma verdadeira explosão de centros de arte e salas de exposição, tanto em Madrid e Barcelona como no resto das Comunidades Autónomas. E, por outro lado, a abertura e modernização do coleccionismo privado, que antes era fortemente localista e agora se tornou mais valente, mais aberto aos artistas internacionais e a tendências mais rupturistas.

Sob uma perspectiva de gestão, quais são as linhas orientadoras da feira? Os seus objectivos?

Por um lado é preciso falar da relação entre a ARCOmadrid e a Ibero-américa, que sempre foi muito estreita, dado que um dos nossos principais objectivos é servir de via para a promoção das galerias e dos artistas latino-americanos na Europa. Por outro lado, o fomento do coleccionismo nacional e internacional é outra das grandes apostas da feira. Facilitar que os coleccionadores de primeira fila visitem Madrid, incentivar a aquisição de arte espanhola e internacional, e fomentar o coleccionismo jovem, são linhas chave do nosso trabalho. E, ao mesmo tempo, reforçar a imagem de Madrid como um dos centros nevrálgicos da arte contemporânea na Europa, a amplíssima oferta desta cidade, a sua capacidade de acolhimento, de integração, de criatividade...

Para 2009, qual é a experiência pela qual poderemos passar na ARCOmadrid?

Sem dúvida, um dos pontos mais interessantes da ARCOmadrid em 2009 será a presença da Índia como país convidado. Uma terra de contrastes extremos, com uma enorme vitalidade artística que nasce das mudanças económicas e políticas das últimas décadas, da penetrante influência dos meios de comunicação e do diálogo entre as tradições milenárias e a globalização. Artistas com um discurso rupturista mas, ao mesmo tempo, enraizado na cultura local. Poder ver uma mostra destas características na Europa será um verdadeiro privilégio.

Published at NS'161 (38-39), (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 7 de Fevereiro de 2009 Portugal Courtesy: IFEMA

ARCOmadrid, uma porta de entrada

A Feira Internacional de Arte Contemporânea coloca a capital espanhola no centro da criação cultural global.

Aproximadamente 200 galerias seleccionadas e mais de dois mil artistas vão estar presentes na Feira Internacional de Arte Contemporânea, ARCOmadrid. O evento, que decorre entre 11 e 16 de Fevereiro, promove um percurso sobre as últimas tendências na arte contemporânea e, em especial, oferece uma porta para a criação artística concebida na América Latina.

Contudo, o país convidado para esta edição é a Índia, que, no contexto artístico actual, apresenta um discurso simultaneamente de ruptura mas enraizado na sua cultura, através de muitos artistas de méritos reconhecidos na paisagem artística internacional, como Atul Dodiya (1959) ou TV Santosh (1968). Além das galerias seleccionadas para a ARCOmadrid por Bose Krishnamachari, como a Bodhiart, de Bombaim, encontram-se outros espaços como a Nature Morte (Nova Deli e Berlim) e Vadehra Art Gallery (Nova Deli). A nível nacional, Portugal está representado através de nove galerias no Programa Geral e três espaços no programa Arco 40.

Entretanto, na presente conjuntura, a economia em geral e a economia na arte, em particular, não fazem prever facilidades. Exageros à parte, é esperado que os preços este ano, em média, decresçam 40% quando comparados com o que se praticava há um ano – fosse em leilões, feiras ou em outros locais de venda. Esta quebra fez com que muitos especuladores de arte se afastassem do mercado, o que faz prever momentos mais aprazíveis para coleccionadores e público em geral durante as próximas feiras de arte.

Ao mesmo tempo, Madrid torna-se num dos principais focos artísticos globais. A cidade é inundada por uma atmosfera de criatividade em conjugação com as várias e múltiplas instituições definidoras do seu tecido artístico e cultural. Inaugurações, festas e eventos alternativos, contactos quer com a cultural espanhola, quer com outros intervenientes globais, são alguns dos ingredientes possíveis de encontrar durante o decorrer da ARCOmadrid.

Published at NS'161 (38-39), (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 7 de Fevereiro de 2009 Portugal © Vivek Vilasini, Between one shore and several others Courtesy: The Guild

Tuesday 10 February 2009

O intenção do sacrifício

A questão colocada pela natureza da exposição Trapped inside my head, de Mara Castilho, na galeria 111 (Lisboa), não difere muito da do propósito do sacrifício – uma oferta à morte.

A vídeo instalação Untitled (2008) projecta no chão da galeria uma figura humana. As forças da tranquilidade e a sensação de serenidade acompanham o corpo despido de uma mulher deitada, com respiração ansiosa, enquanto sugere a fertilidade na natureza. No entanto, este corpo envolto por um tapete de relva encaminha-nos para os milhares de corpos mortos, testemunhos da guerra dos Balcãs.

A exposição é, ainda, acompanhada por plasmas, impressão em caixa de luz e uma impressão digital sobre tela (€2.000, cada), mas a exposição no seu todo – os objectos, os sujeitos e os observadores – remete para o que os astecas iam ver na base das pirâmides, para onde os corações das vitimas eram atirados.

O trabalho de Mara Castilho é um testemunho de que estamos na linhagem dos sacrifícios, assassínios sagrados aos milhares.

Published at NS'161/IN#057, Mercado da Arte (78), (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 7 de Fevereiro de 2009 Portugal © Mara Castilho, Waiting I (Caixa de Luz, 44x70cm, edição de 3), 2008 Courtesy: Galeria 111

Monday 9 February 2009

A paixão de coleccionador

Parte da obra reunida por Luiz Augusto Teixeira de Freitas está em exposição no Museu da Cidade, em Lisboa.

O sentido do belo ou a estética, «não são a primeira coisa que me atrai numa obra de arte, é mais a emoção», afirma Luiz Augusto Teixeira de Freitas. A emoção a que se refere è o intenso desejo ou o entusiasmo sentido quando se depara com uma peça de arte, com uma coisa.

Como expôs Heidegger, em A origem da obra de arte, è o carácter coisal da coisa que nos permite compreender a partir de determinado momento a coisa como arte, ou seja, atribuímos e transmitimos para essa coisa o reflexo das nossas emoções, a nossa paixão, de acordo com um conjunto de valores e atributos que possuímos.

Para o coleccionador, «de alguma maneira a arte contemporânea mudou a minha vida, o contacto com os artistas, o trazer a arte para dentro do escritório». E continua: “Num espaço formal (como é um escritório de advogados) cria um interessante confronto, uma dinâmica muito própria no dia-a-dia do escritório, não só para quem aqui trabalha mas também para os clientes. Esse ambiente de arte consegue tornar mais leve e agradável esse quotidiano às vezes ‘pesado’ do escritório.»

A colecção de arte contemporânea internacional de Luiz Augusto Teixeira de Freitas é composta por obras de artistas que trabalham numa relação com a arquitectura – «artistas que pensam o espaço, a construção e a desconstrução do espaço, independentemente da proveniência nacional». O coleccionador acrescenta, ainda sobre a sua colecção, que esta «não é uma colecção esteticamente fácil, é necessário conhecer o percurso dos artistas, a vivência, conhecer a relação entre a obra e o ambiente social contemporâneo».

A orientação da colecção, concebida em conjunto com o curador Adriano Pedrosa, encerra em si núcleos dedicados a artistas, como Damián Ortega e Jorge Macchi, entre outros; artistas que são referências fundamentais na discussão artística contemporânea, como Gordon Matta-Clark ou Gabriel Orozco; ou, com uma vertente mais política, um núcleo atento às evoluções plásticas no Médio Oriente, em especial através da obra de Emily Jacir. Mas, essencialmente, esta reunião de coisas – arte – é um projecto desenhado para o coleccionador «aprender, experimentar, descobrir, encontrar, trocar impressões, e conhecer pessoas externas ao conformismo».

A importância da colecção para a actualidade é visível na presença de obras em exposições internacionais, como na Tate Modern (Reino Unido) ou no MoCA, de Los Angeles (EUA). De outra forma, também o coleccionador, tem um interesse em fazer e ser parte activa da própria dinâmica do mundo da arte, ao desenvolver oportunidades, acompanhar, apoiar, ver e estar com os artistas.

Presentemente, no Museu da Cidade (Lisboa), encontra-se em exposição a colecção da Madeira Corporate Service, iniciada por Luiz Augusto Teixeira de Freitas, e tem como centro o desenho contemporâneo, de artistas como Pedro Barateiro, Olafur Eliasson ou Dr. Lakra, entre muitos outros.

Published at NS'161/IN#057, Mercado da Arte (78), (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 7 de Fevereiro de 2009 Portugal © Damian Ortega, Miracolo Italiano Courtesy: Colecção Teixeira de Freitas

Monday 2 February 2009

O emergente mercado de arte indiano

Paisagem artística floresceu nos últimos anos devido ao rápido crescimento económico

Depois da emergência do mercado chinês, a Índia é o próximo lugar onde se irá testemunhar a um crescimento significativo em termos das compras de produtos artísticos a nível global, como também, internamente, no mercado da arte.

O governo indiano é bastante rigoroso com relação à circulação de capitais, o que faz com que seja difícil a um negociante de arte poder operar. Actualmente ainda é bastante difícil fazer circular obras de arte devido essencialmente a questões legislativas relacionados com as autorizações para exportar arte ou regulações para registar antiguidades. Mas com a presente clima económico, nenhum mercado está imune.

Muitos analistas a operar no mercado artístico consideram que o mercado indiano é ainda um bom local para se realizar, a longo prazo, investimentos em artistas. Principalmente, por ainda ser um mercado subvalorizado. Uma pintura de Francis Newton Souza (1924-2002), actualmente ainda a 300 mil euros, poderá em dois anos valer 1.5 milhões de euros (uma valorização na ordem dos 500%), por exemplo. Nos últimos anos os valores das peças cresceram substancialmente, mas não tanto como na China, onde os preços escalaram devido ao enorme interesse interno e internacional. No entanto, estes são os mesmos especialistas que durante os últimos anos ajudaram à especulação crescente no mercado de arte e ao inflacionamento do valor das peças de arte.

Esta arte frequentemente capta as paisagens vívidas e coloridas da vida e cultura indiana. Enquanto muitos dos coleccionadores mantiveram o interesse no mercado interno, a paisagem artística floresceu neste últimos anos devido especialmente ao rápido crescimento económico da região.

Através da irreverência e da liberdade artística, M. F. Husain (1915) é outro dos artista já presente na história da arte indiana. Husain procurou ao longo da sua carreira provocar alterações sociais, ao inspirar-se em eventos como guerras, pestilências e fome, ou as injustiças definidoras da sociedade indiana.

Mais recentemente, a presença dos artistas indianos mais jovens, em exposições internacionais, bienais ou leilões, vem confirmar a propensão da paisagem artística indiana em acompanham as tendências globais. É possível encontrar obras de artistas como Sheela Gowda (1957), Dayanita Singh (1961), Amar Kanwar (1964), Subodh Gupta (1964), Jitish Kallat (1974) entre nomes consagrados do mercado ocidental.

Recipientes Universais: Jitish Kallat

As obras de Jitish Kallat (Bombaim, 1974) estão enquadradas por um ambiente urbano quase-autobiográfico, enquanto apontam para assuntos universais homogéneos que continuam a afectar a heterogeneidade local. Os seus trabalhos são um diário pessoal reflectivo das polaridades evolutivas do caos urbano indiano, em particular da cidade de Bombaim.

A peça Aquasaurus (2008) é a recriação de um camião cisterna comum nas ruas de Bombaim. Este antiquado automóvel com sete metros apresenta-se como um receptor representativo da imagem das ruas da índia, em constante conflito. A serie Humiliation Tax apresenta imagens centralizadas de jovens crianças desfavorecidas, um símbolo dos membros mais vulneráveis e empobrecidos da sociedade Indiana. Uma da pinturas desta serie, Humiliation Tax – II (2005) foi vendida por 73 mil euros, em leilão da Sotheby’s, em Maio de 2008.

Kallat apresenta e representa as diferentes camadas de planificação de uma cidade sobre os escombros humanos. Ele relaciona o desenvolvimento urbanístico com as castas oprimidas ou os despojados, a esperança ou a sobrevivência, o invisível e o inaudível numa sociedade que procuram entrar numa economia cada vez mais globalizante, mas em si, também, por vezes, cada vez mais ditatorial.

Published at NS'/IN, Mercado da arte (78), (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), 31 de Janeiro de 2009 Portugal © Francis Newton Souza, Untitled (óleo sobre tela), 1961; Jitish Kallat, Humiliation Tax – II (técnica mista sobre tela), 2005 Courtesy Sotheby’s 2009