Thursday 31 December 2009

Monday 28 December 2009

A década dos mercados alternativos emergentes

Os anos zero ficam marcados por uma nova forma de compreender a arte contemporânea, desenvolvida pela Tate Modern (Londres), o Museu de Serralves (Porto) ou o Museu Colecção Berardo (Lisboa).

Se os anos noventa foram definidos como a década das bienais, os últimos dez anos são caracterizados pela disseminação mundial das feiras de arte contemporânea. Esta não foi uma década de entretenimento, foram anos oportunos para os negócios com os mercados emergentes da Ásia, América Latina, África e Médio Oriente.

Contudo, a década que agora termina vai ser mais recordada por outros eventos, como o ataque terrorista de 11 de Setembro às Torres Gémeas de Nova Iorque e a consequente invasão de dois espaços soberanos e a restrição às liberdade cívicas; a explosão do acesso à informação, o potencial e a habilidade de ligar e comunicar com o mundo; a massificação das redes sociais virtuais; as flashmobs, ou as interacções com o público concertadas através de telemóveis; as adaptações cinematográficas de livros como Harry Potter ou O Senhor dos Anéis; a atenção e preocupação global sobre casos de pedofilia, de corrupção política ou sobre déspota legitimados democraticamente na América Latina; mas, também, pela nova forma de compreender a arte contemporânea, desenvolvida pela Tate Modern (Londres), o Museu de Serralves (Porto) e o Museu Colecção Berardo (Lisboa); a preocupação em as artes fomentarem a educação e a participação cívica; o estímulo das indústrias criativas para a economia mundial; a formação de novos públicos ao aliar arte com as finanças.

O mercado da arte esteve, durante o início desta década, com uma rentabilidade inferior aos principais mercados de investimentos – para, depois de 2004, aumentar relativamente a esses mercados, onde o lucro foi mais alto, em particular entre 2006 e 2007, do que os outros investimentos.

Entretanto, já passou um ano desde que Damien Hirst vendeu as suas peças através duma casa leiloeira, e quando o sistema bancário global esteve à beira da ruína financeira. Quando só um pacote de medidas suportado por milhões de euros (financiado por dinheiro dos contribuintes) foi capaz de resgatar e garantir a segurança do que poderia ser um acidente socioeconómico fatal. Apesar de diariamente as notícias afirmarem que «nada é como foi», desde Setembro de 2008 não existiu mais nenhuma transformação. Os gestores de topo do universo financeiro continuam à frente das instituições que administravam ou, foram promovidos e, parece, não aprenderam absolutamente nada.

Agora, os próximos anos, parecem ser propícios ao percorrer de espaços que não sendo propriamente económicos, estão ligados à economia.

A regeneração de bairros através das artes
O universo artístico é considerado, por distintas área da sociedade, como um catalisador eficaz no processo de regeneração e reabilitação de zonas e bairros desfavorecidos socialmente e economicamente. Em Maio passado, Andrea Baginski inaugurou em Lisboa o seu novo espaço galerístico, situado entre o Beato e o Parque das Nações, zona onde já tinham confluído outros espaços artísticos e culturais, como ateliers de artistas e galerias. No Bairro Alto, Lourenço Egreja, Rachel Korman e Paulo Reis coordenam a recuperação do Palácio Pombal, há muitos anos abandonado e em degradação, enquanto criam um lugar voltado para a comunidade com uma programação de importância e relevo nacional, para a pesquisa, experimentação e o estudo da arte contemporânea. No Porto, a reabilitação e a revitalização da Rua Miguel Bombarda, uma zona de galerias e de lojas alternativas que consegue atrair visitantes nacionais e internacionais, adaptou parte desta artéria à realidade de quem aí trabalha, ao vocacionar a zona para a divulgação da arte e da cultura. A nível individual, o curador e crítico de arte Miguel Von Hafe Pérez, foi escolhido como o novo director do Centro Galego de Arte Contemporânea (CGAC), em Santiago de Compostela.

O desmoronar de algumas sociedades
Durante 2009, a sociedade portuguesa acompanhou o desmoronar do prestígio construído por João Rendeiro, presidente do Banco Privado Português, e o desaparecimento de notícias relacionadas com a sua colecção de arte contemporânea, depositada em Alcoitão (Cascais). Outro caso, que também influenciou o mercado da arte nacional está relacionado com o Banco Português de Negócios (BPN): o galerista Manuel Silva Santos, sócio da empresa Filomena Soares e Santos, proprietários da Galeria Filomena Soares (em Lisboa), foi acusado pelo Ministério Público de ser o autor material de um crime de branqueamento de capitais por desviar fundos do grupo BPN/SLN, a título de uma recompra da colecção de arte à galeria, no valor de 3,2 milhões de euros, em 2007.

Published at NS'207/IN#103, Mercado da Arte (70), (Diário de Notícias N.º 51399 e Jornal de Notícias N.º 208/122), 26 de Dezembro de 2009 Portugal Exterior do Museu de Serralves, Courtesy: Galeria Pente e Instalação de Rui Horta Pereira na Carpe Diem Arte e Pesquisa

Monday 21 December 2009

Sobre a Capital Europeia da Cultura em 2012

A nível da Comissão Europeia, e de acordo com o relatório apresentado pelo Painel de Selecção para a Capital Europeia da Cultura (CEC) de 2012, o orçamento total previsto para Guimarães 2012 é de 111 milhões de euros.

Dois anos antes da realização do evento, a Fundação Cidade de Guimarães tem previsto: cerca de 60 por cento do montante total para o desenvolvimento das infra-estruturas, nomeadamente a regeneração do centro histórico da cidade e a construção de equipamentos que em princípio irão acolher parte da programação da Capital Europeia da Cultura; os restante 40 por cento estão reservados à programação, nos quais, dez porcento são para as artes, e outros dez porcento para acções de marketing e promoção, ou seja, 11 milhões, para cada área.

A iniciativa Capital Europeia da Cultura, como uma manifestação cultural patrocinada pela Comissão Europeia, reflecte o carácter Europeu do evento, isto enquanto envolve a participação de toda a comunidade local, como intervenientes activos, e não como meros espectadores ou usufruidores de espectáculos exclusivos, desenvolvidos e apresentados por personalidades externas á comunidade local. Desta forma, o programa é concebido para perdurar para além da efemeridade do fogo-de-artifício dos eventos culturais comemorativos, com um impacto sustentável a longo prazo ao nível do desenvolvimento cultural, económico e social, ou seja, esta manifestação contribuiu para o crescimento social e económico, e para a criação de emprego. Dados relativos a 2003, apontam para um contributo de 2,6 por cento do PIB da União Europeia.

Relativamente aos impactos esperados para 2012, os objectivos inscritos para o desenvolvimento da cidade implicam a regeneração urbana da cidade através da cultura – uma regeneração social e económica; a visão da cidade como um modelo de liderança cultural; e a cooperação e a co-criação com outras cidade europeias.

Actualmente existe uma inércia nas práticas sociais e culturais da entidade organizadora, relativamente à CEC Guimarães 2012. Das actividade entretanto programadas, estas mais parecem ser uma brochura turística da cidade com uma intenção local, ao estarem atentas à edificação de monumentos e à concepção de projectos arquitectónicos comparativos a outras cidades nacionais; do que à formação de novos públicos para a cultura; à programação de actividades culturais que visem a integração social de uma comunidade economicamente desprotegida, a residir numa zona do país com uma economia sustentada numa indústria em declínio.

Courtesy: Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura

Saturday 19 December 2009

Prendas de Natal

O segundo Leilão Silencioso de arte contemporânea organizado pelo espaço Uma Certa Falta de Coerência, do Porto, decorre hoje, dia 19 de Dezembro, e amanhã, dia 20 de Dezembro. Tal como em ano anterior, a intenção deste evento é angariar fundos com o objectivo de pagar as despesas de funcionamento (nomeadamente a renda do espaço e as contas de electricidade), para 2010, deste espaço gerido por artistas, na cidade do Porto.

Em 2008, o mesmo leilão conseguiu reunir fundos suficiente para pagar o equivalente a sete meses de renda. Cerca de dois mil e quinhentos euros, no qual cinquenta por cento do valor reverteu para os artistas.

Este evento de certa forma representa ajuda e compreende a possibilidade, dos responsáveis pelo espaço, de continuarem a desenvolver uma programação neste espaço de arte e de artistas. Ângelo Ferreira Sousa, André Sousa, André Cepeda, Carla Filipe, Cristina Regadas, Carlos Noronha Feio, Davide Balula, Eduardo Matos, Gonçalo Sena, Manuel Santos Maia, Mauro Cerqueira e Pedro Magalhães são alguns dos artistas que disponibilizaram obras para este leilão.

Courtesy: Uma Certa Falta de Coerência

Thursday 17 December 2009

Sophie Calle: Talking to Strangers

Whitechapel Gallery (London)
Sophie Calle: Talking to Strangers

A set of colour photographs of women and a note explaining what has triggered Take Care of Yourself (2007), introduces the exhibitions Sophie Calle: Talking to Strangers to visitors at the Whitechapel Art Gallery, in London. After contemplating the multiple interpretations given to Sophie Calle’s e-mail, sent by X (an ex-boyfriend) telling her that their relationship has ended, we go through several rooms arranged over two floor of the gallery. We dive into a game that combines sound, text and image, which is an extensive and comprehensive account regarding the artist body of work developed, since the Eighties.

The subject in Calle’s works is questioning the boundaries between what is public and what is within the private sphere. By using her body as a medium the artist encourages a series of provocative intended actions: following people on the street – a reference to 1969, Vito Acconci’s Following Piece –, or inviting strangers to sleep in her bed while she observes and photographs those individuals who were invited to trespass from the public in to the private sphere. She documents physical interactions between the observer and the observed to allow the other to know and become involved by her private domains.

The second part of the exhibitions works as a retrospective. It shows encounters and actions in which the artist creates events, but which hardly happen: traces left by customers at The Hotel (1981); the voyage in the Trans-Siberian, from Moscow to Vladivostok, where the artist shares a compartment with the Russian Anatoli (1984); Gotham Handbook (1994), a collaboration with the writer Paul Auster; Where and When? Berck (2004), etc.

More than a visual sequence of events, it is the written word that follows each project. Documenting every action, every situation, every event perpetuated by Sophie Calle along her journey, like a forensic scientist.

Coming back, to Take Care of Yourself, photos and printing gravitate with multiple specialized worlds, projecting each of the intervenient narratives. Numerous monitors screen the same matter, the commentary on the break-up letter, interpreted by more than 10 women and a parrot. We find ourselves, has the other, in the strange situation of being entrusted with her private experiences.

Published at Lapiz, Revista Internacional de Arte. Año XXVIII, Núm. 258 (90), December 2009 España © Sophie Calle, "Take Care of Yourself" (detail showing the Opera de Paris Dancer, Marie-Agnès Gillot), 2007

Wednesday 16 December 2009

The Rate of Converge of Two Opposing System Trajectories

Galeria Graça Brandão (Lisboa)
Edgar Martins : The Rate of Converge of Two Opposing System Trajectories

In order to reach the gallery Graça Brandão, in Lisbon, located in one of the many historic districts in the city, it is necessary to go through cafés and taverns. Places embedded between designer shops and private homes that during the night become bars and fado houses. We walk through and crossing homely streets to get to a former warehouse, once used by one of the many newspapers that existed in Portugal in the last century, now transformed into an exhibition space for contemporary art.

Completely integrated in this reality, the gallery has always been at the heart of sensory experiences. It is enveloped in the sounds coming from many rehearsal rooms at the nearby music conservatory. While inside the exhibition space, we chance upon remnants of a fruit market, the smell of apples – a reference we find too vulgar, as if the gas from the fruit would speed up the ripening of the images presented at the exhibition The Rate of Converge of Two Opposing System Trajectories, by Edgar Martins.

Some of the photographs presented are part of the series Ruins of the Gilded Age. Journalism issues aside, there has always been a too specific link between the images digitally manipulated by the author, even in previous series like Topologies, and the writing of Guy Debord, about the society of spectacle: “The specialization of images of the world is completed in the world of the autonomous image, where the liar has lied to himself”.

Two orders are confronted: the photographic series in which it includes the image of a room at 14 Baldwin Farms South, Greenwich, Conn. (the photo displayed at the gallery is different from the digitally altered imaged shown in the north-American newspaper, and from that was originally photographed by the author), and the series that gives title to the exhibitions, The Rate of Converge of Two Opposing System Trajectories, where debris left inside empty buildings are constructed and appear as pure forms, such as in False Imprisonment or Untouchable, both from 2008.

In the revelation of the false move, reality in the “blackmail accounts for the general acceptance of the illusion at the heart of the consumption of modern” economy, in which the spectacle is the common manifestation that can be found on the way to gallery.

Published at Lapiz, Revista Internacional de Arte. Año XXVIII, Núm. 258 (88), December 2009 España © Edgar Martins, "Untitled (Phoenix, Arizona)", from the series "Ruins of the Gilded Age", 2008

Tuesday 15 December 2009

O espectáculo do mercado da arte contemporânea

Quando falamos da arte contemporânea estamos a designar um estilo que se reporta a aquilo que nos propõe um pensamento sobre a prática visual actual, a análise crítica do nosso quotidiano. É admirável quando se pensa no passado e na quantidade de tendências estilísticas existentes – o expressionismo abstracto, a pop art, a arte conceptual, o minimalismo, etc. Actualmente, a tradição artística ocidental incorpora cada vez mais conceitos originários no Oriente, em África ou na América do Sul. Os estilos são em demasia, existe uma mutação rápida demais para que alguma possa assumir uma posição dominante, ou seja, vivemos num trópico estilístico.

Por outro lado, quando pensamos na recente correcção económica do mercado, uma das tendências é de que as obras apresentadas pelas galerias têm menos impacto visual, é uma selecção mais criteriosa. O que é uma boa notícia. As peças de arte que anteriormente estavam ofuscadas por imagens mais floridas conseguem agora estar na vanguarda da escolha de coleccionadores e conhecedores.

Recentemente, a Paris Photo, a feira especializada em fotografia que se realizou em Paris, recebeu mais de quarenta mil visitantes. Um excelente indicador quando comparado com os cerca de 37 mil no ano transacto.

Os recentes leilões de arte contemporânea ou as obras seleccionadas e apresentadas pelos galeristas nas feiras internacionais de arte contemporânea são testemunho dessa recuperação. Na nossa história, mais do que nunca, as pessoas estão confortáveis em poder escolher a partir de uma rica variedade de fontes.

Published at NS'206/IN#102, Mercado da Arte (70), (Diário de Notícias N.º 51392 e Jornal de Notícias N.º 201/122), 19 de Dezembro de 2009 Portugal © Rita Barros, The Last Cigarette #5, 2005 Courtesy: Galeria Pente 10

Monday 14 December 2009

Competição e estratégias de mercado

Competição por galerias e coleccionadores vai ser intensa nos próximos tempos.

Um evento é considerado como uma ferramenta no processo de comunicação ou na estratégica de marketing por qualquer entidade, pública ou privada, com ou sem fins lucrativos, para criar relações, ter lucros económicos ou servir de elemento físico de referência numa celebração, seja uma feira de arte ou uma exposição.

Suportada por uma índole privada, o mercado artístico em Espanha está a promover, para se realizar em Fevereiro (em simultâneo com a mais importante feira internacional de arte contemporânea espanhola), uma feira com mais de duas dezenas de galerias emergentes – a Just Madrid pretende criar uma experiência distinta à ARCOmadrid (de fluxo financeiro positivo) e à Arte Madrid (de fluxo financeiro modesto).

Cada vez mais, a realização de um evento também está a mostrar preocupações ao nível do impacto positivo na comunidade local a longo prazo, paralelamente à dinamização e crescimento no mercado no qual pretende estar inserido. Na região da Galiza, o governo autonómico, ao ter em consideração as necessidades de uma comunidade local cada vez mais interessada e preocupada com a arte contemporânea, idealizou uma nova feira de arte para atrair e fomentar a actividade artística e o coleccionismo local num contexto mais globalizante.

Em Portugal, a feira de arte contemporânea em Lisboa registou este ano 17 161 entradas (número no qual se incluem cerca de duzentos convidados estrangeiros, como curadores, representantes de museus e centros de arte, responsáveis pela aquisição de obras de arte de fundações e colecções, e coleccionadores – facto que só por si é bom para os artistas e para as galerias, pois podem surgir deste contacto convites para exposições, o que faz aumentar o prestígio e o valor). Neste caso, é possível percepcionar também as respostas pontuais do mercado à inerência dos grandes eventos de massa, enquanto alguns questionam esta feira, como fazem os autores da manifestação «Sem Razão Alguma».

Quando muitas das galerias de arte contemporânea estão cada vez mais interessadas em promover projectos individuais, do que uma mostra nos moldes tradicionais dos seus artistas, umas das primeiras perguntas a fazer é se, nestes momentos de maior sustentação financeira, existirão os compradores suficientes para fazer com que a visível multiplicação de eventos seja viável? Pelo menos um facto é perceptível: a competição por galerias e coleccionadores durante os próximos tempos vai ser intensa.

Published at NS'206/IN#102, Mercado da Arte (70), (Diário de Notícias N.º 51392 e Jornal de Notícias N.º 201/122), 19 de Dezembro de 2009 Portugal © Rita Sobral Campos, "In the countryside of a remote land", series The Last Faust Myth in the History of Making, 2009 Courtesy: Galeria Pedro Oliveira

Thursday 10 December 2009

à crise..

A crise é uma mudança que sobrevém no curso de um processo degenerativo violento, de uma doença provocada por partículas desconhecidas (o estranho) ao corpo. As quais se manifestam através da incapacidade do físico em se exibir de acordo com o estipulado pelas normas e regras vigentes. Ao desviar-se do original (o singular), esta é uma perigosa conjuntura que tem persistido ao longo da história da humanidade – romanização, cruzadas, descobrimentos, renascimento, capitalismo, globalização, etc. – e que qualifica e determina o cânon ocidental (o exterior a influir sobre o secular).

Usualmente, a crise é precedida e justificada por movimentos de contracção interna. O sujeito, como um único órgão, contrai-se e toma o efeito da redução das duas formas expressivas – a degeneração e a regra – em uma só.

À é um elemento que tanto significa adjunção, aproximação, passagem a um estado, como apresenta o sentido de afastamento, de privação pelo qual os fenómenos desconhecidos se manifestam. Demonstra várias relações – sociais, económicas, políticas ou culturais –, enquanto indica a relação existente entre o sujeito e o predicado.

Ao preceder a crise, a palavra à designa simultaneamente a coisa que exprime a substância, e indica o ser sobre o qual recai directamente a acção expressa, ao substituir, na oração, o nome.

Nesta disposição sintáctica, de natureza civilizacional, os artistas têm as suas mentes na ordem caseira, no espaço Oikos, o centro da actividade doméstica (o primitivo); por oposição à natureza da Polis grega, ou da Domus romana, o espaço arquitectónico de reunião e conflito público, ou seja, a praça pública onde se encontra o mercado (o duplo). Para os artistas, os seus espaços domésticos, estão sempre com eles.

Tomemos, por exemplo, o navio. Para um marinheiro o navio é o seu espaço privado, inserido no espaço público, o mar, e o mesmo para o seu país. Para nós, todos os navios se parecem uns com os outros, e o mar é sempre o mesmo. Mas, para qualquer marinheiro, “não há nada de misterioso ... a não ser o próprio mar, que é a amante da sua existência e inescrutável como o Destino.” (Joseph Conrad, Heart of Darkness, p. 3, tradução do autor)

No mercado, na sociedade onde se encontra inserida, o destino da obra de arte é paraeconómico, pois não sendo propriamente um factor económico, está ligada à economia. Visão Sobre o Mercado (2009), de Miguelangelo Veiga (com 1 000 cm, a obra é vendida exclusivamente em múltiplos de 50 cm, esta requer a criação de uma evidência física da sua existência, tem de ser fotografada, e, ainda, tem de passar pelo acto de validação, através da assinatura do artista) ou as peças de Mikael Larsson (pequenas máquinas de registo de uma acção – o mecanismo é composto por dois tornos de precisão, reflectidos á distancia de duas caneta de feltro, a tocar na superfície emulsiva, por onde entre passa uma fina folha de um rolo de caixa registadora) exprimem várias relações, nas quais uma dessas ligações está conforme aos preceitos da economia – qualificam a sua causa ao encontrar a sua individualidade na multiplicidade da economia. No entanto, esta qualificação transporta-nos para o oikonomikos (a gestão do casa), a unidade básica da sociedade, mas também onde ocorrem na sua maioria os adultérios: Miguelangelo Veiga e Mikael Larsson, e ainda, Sara Nunes Fernandes, The Hut Project, Paulo Mendes, Giogio Sadotti pervertem o efeito do fenómeno de forma diversa (contrária) do que costuma ser. Criam uma paradinamia, ou seja, na imutabilidade das suas imediações, a versátil imensidão da vida é, também, na obra de arte, gerada e velada não por um sentido misterioso, mas por uma certa insipiência desdenhosa, esquiva. Também, nas peças de Francisco Sousa Lobo, Backward e Forward (ambas de 2009), de Ana Guedes, Natureza morta contra a parede (2009), de Francesca Anfossi, Escalator (2007) e de Fernando Mesquita, o motivo é transformar a energia produtiva bruta – a relação entre a arte (como singularidade) e a economia (como multiplicidade); entre uma obra de arte, com todas as implicações que daí advêm, e um produto resultante do consumo; mas essencialmente a ligação entre o real e a ilusão, a semelhança entre a verdade e a mentira, o reflexo do nós nos outros – em fenómenos pelos quais se manifestem a presença de partículas elementares, quer em repouso, quer em movimento.

Apesar do quotidiano socioeconómico (antes capitalismo, agora globalização) parecer sempre o mesmo – como se estivéssemos parados sempre no mesmo lugar sem nos mover, mas, quando, na realidade, passamos por vários lugares, locais onde ocorrem trocas, transformações – as infografias Where do You Want to Go Today? Web Search Interest : Travel (2009), de Patrícia Sousa, chuvas ácidas (estudos sobre a possibilidade de grande tempestade mundial), serie I (2009), de Lúcia Prancha, ou a série de gráficos desenvolvida por Romeu Gonçalves testemunham, como funções matemáticas representativas, a nossa vivência diária. A informação visual gráfica parece pertencer a uma sórdida farsa representada em frente de um sinistro pano de fundo.

Com alcance internacional, o “salão de desenhos”, à crise.., é um espaço aberto para o debate, com ênfase em temas actuais da arte contemporânea. Apresentada numa »galeria« e com uma disposição derivada dos »salões« do início do século vinte, ou seja, apresenta-se inscrita no domínio tradicional expositivo do espaço galerístico (cubo branco).

Pessoalmente, à crise é também uma só palavra, a qual implica e tem implícito que, se tu não gostas do lugar onde vives, muda-te (um dos indicativos desenhos do outro, por Adam Latham). Assim, neste contexto, o verbo, na sua função sintáctica, surge como uma palavra-ordem (o título da exposição comanda e é ordenado por – no sentido do movimento que anima o physis, mas, em simultâneo, sob o nome do logos, implica também a predicação da palavra). A simplicidade das obras apresentadas e a complexidade da realidade prevalece enquanto convidam à reflexão sobre uma variedade de eventos actuais.

Ao abordar o potencial humano e artístico a exposição fomenta debates sobre os corpos estranhos (a ilusão da luz) e a participação na norma (a verdade da escuridão). A predicação implica a transformação, a mudança no espaço, um deslocar-se de uma posição para outra.

à crise..
Salão de Desenho
Comissariada por Rui Almeida e Carlos Noronha Feio
at Sopro – Projecto de Arte Contemporânea, Lisboa
10 de Dezembro 2009 a 9 de Janeiro 2010

with: Martinha Maia, Romeu Gonçalves, Lúcia Prancha, Manuel Santos Maia, Paulo Mendes, Lara Torres com Ana Santos, Francisco Sousa Lobo, Catarina Viana, Carla Cruz, Evgenia Tabakova, The Hut Project, Patrick Coyle, Mikael Larsson, Francesca Anfossi, Carlos Noronha Feio, Sara Nunes Fernandes, Adam Latham, Giorgio Sadotti, Bruno Borges, Patrícia Sousa, Soraya Vasconcelos, André Alves, Pedro Alves, Miguelangelo Veiga, Ana Guedes, Paula Prates, Manuel Furtado dos Santos, Ana Sério, Mara Castilho, João Ferro Martins, Fernando Mesquita.

Tuesday 8 December 2009

Uma oportunidade perdida

“Não se passa nada!”, foi o comentário de uma personalidade reconhecida no mercado internacional da arte, oriunda de Espanha, sobre a Arte Lisboa deste ano. Além dos dados quantitativos que crescentemente têm vindo a justificar o maior número de visitantes à feira de Madrid, a ARCO, comparativamente a Lisboa; a Arte Lisboa – Feira de Arte Contemporânea, este ano, foi mais uma oportunidade perdida de apresentar uma feira de arte contemporânea viva, localizada em Portugal.

Como um lugar reservado para expor, vender e comprar arte contemporânea é notório, na feira de arte: o retorno aos materiais tradicionais (escultura, pintura, desenho, etc.), e a exclusão de novos materiais de suporte tecnológico ou interventivos (mas esta é a situação actual em qualquer feira de registo a nível internacional); salvo excepções, muitos dos conteúdos apresentados pela maioria das galerias seleccionadas estão atentos à modernidade, e não à contemporaneidade, ou à altermodernidade (como define o crítico francês Nicolas Bourriaud); os preços praticados inseriam-se dentro da normalidade do consumo interno; e, desde 2001, é crescentemente perceptível, a nível programático, a diminuição de uma preocupação estratégica, por parte da entidade organizadora, que faça o público absorver-se num evento, concebido para promover e divulgar a arte contemporânea portuguesa.

E, pior, a saída neste espaço é sempre visível.

Published at NS'204/IN#100, Mercado da Arte (70), (Diário de Notícias N.º 51378 e Jornal de Notícias N.º 187/122), 5 de Dezembro de 2009 Portugal © Jasmina Cibic, Tourists Welcome (it’s good being first), 2007 Courtesy: Galería adhoc

Monday 7 December 2009

Para que servem os museus?

Desenvolvimento das novas exposições procura um envolvimento maior e mais activo do visitante

Abrir a colecção de um museu de história natural, ou de ciência, ao público, era coisa fácil. Os museus viam como seu papel principal adquirir, conservar, estudar, comunicar e expor a herança tangível da humanidade e do seu meio ambiente á comunidade para o estudo, a educação e a fruição dessas obras. Os museus olhavam para os seus espaços como lugares de educação institucional, com a responsabilidade de criar conhecimento através do desenvolvimento e da pesquisa das colecções à sua salvaguarda, e, após, disseminar esse conhecimento através da apresentação de exposições formais de índole académica.

No entanto, nas últimas décadas, enquanto a salvaguarda das colecções para as gerações futuras continua a ser uma prioridade para os museus, começou a existir igualmente a necessidade de se saber apresentar as peças à sociedade em geral, de forma a que também esta seja incluída e partilhe deste conhecimento – a história da humanidade está confiada pela sociedade, para usufruto, a estas instituições.

Exposições como a inaugurada recentemente no Museu Nacional de História Natural, em Lisboa, ou a exposição permanente apresentada no Museu do Oriente (onde os jovens visitantes estão mais interessados em explorar as inúmeras áreas escuras do museu do que os conteúdos nas caixas em vidro com objectos no seu interior), demonstram a pouca atenção às expectativas do visitante na concepção das exposições em museus. Perseguir uma agenda qualitativa relacionada com o seu público é um conceito dinâmico, é saber: o que é que os motiva? Quais são as suas expectativas para a visita?

No caso da exposição A Aventura da Terra: Um Planeta em Evolução, no Museu Nacional de História Natural, o objecto central é um friso cronológico, uma parede com cem metros sobre a relatividade do tempo. Neste caso, o ambiente interpretativo quando confrontado com as necessidades da geração Spectrum (uma geração que cresceu com os jogos do Spectrum, agora na casa dos quarenta, e com filhos em idade de visitar estes espaços, divide actualmente o seu tempo livre com estes, na utilização da Xbox ou com qualquer outra consola de videojogos interactivos) é pouco apelativo. Os corredores inundados por cabinets e vitrinas eram o constituinte das apresentações museológicas durante o século XIX e grande parte do século XX, as quais promoviam uma sensação de reverência e protecção autoritária.

Presentemente, no global, o visitante tradicional de uma exposição museológica apresenta-se mais educado e com maior experiência quantitativa e qualificativa. Os visitantes não estão mais dispostos a ser meros receptores passivos de sabedoria, mas querem participar, questionar, estarem como iguais, enquanto recebem um serviço de exímia qualidade quando comparada com uma outra qualquer actividade de lazer.

Published at NS'204/IN#100, Mercado da Arte (70), (Diário de Notícias N.º 51378 e Jornal de Notícias N.º 187/122), 5 de Dezembro de 2009 Portugal Courtesy: Museu Nacional de História Natural

Wednesday 2 December 2009

O impacto crescente da Art Basel Miami Beach

De 3 a 6 de Dezembro, Miami Beach (Florida, EUA) acolhe a oitava edição da feira internacional de arte Art Basel Miami Beach. Mais de 250 galerias líderes, oriundas de 33 países da América do Norte, Europa, América Latina, Ásia e África, foram seleccionadas para mostrar obras de mais de 2 mil artistas dos séculos XX e XXI.

O sucesso da Art Basel Maimi Beach fez com que, em 2005, quatro anos após a primeira edição da feira internacional de arte, fosse criado a Design Miami. Um fórum internacional para o design que é concorrente à feira de arte, e que permite acrescentar mais oferta de eventos à cidade. Além de Miami se tornar um centro para a arte e o design no mercado internacional, houve um enriquecimento da comunidade local com o aumento das receitas turísticas.

Este ano, Portugal está representado na feira pela Galeria Graça Brandão, com espaços em Lisboa e no Porto, e a Cristina Guerra Contemporary Art, de Lisboa. Tanto o aluguer do stand como as outras despesas inerentes à participação podem acender a mais de cem mil euros. A gama de preços apresentados oscila entre as centenas da dólares, por múltiplos e obras de jovens artistas, e os vários milhares por obras dignas de um museu. Entre directores de museus e coleccionadores é esperado a visita de mais de quarenta mil amantes da arte.

Published at NS'203/IN#099, Mercado da Arte (70), (Diário de Notícias N.º 51371 e Jornal de Notícias N.º 180/122), 28 de Novembro de 2009 Portugal © Jorge Mayet, Cayendo suave, 2009 Courtesy: Galería Salvador Díaz, Madrid