Jac Leirner: Hardware Silk
Jac Leirner, 'Hardware Silk', White Cube Mason's Yard, London. 2013 © Jac Leirner Photo: Ben Westoby Courtesy White Cube |
A classificação exaustiva do espaço e das relações sociais realizada por artistas contemporâneos vai muito para além das necessidades quotidianas de grupos pré-determinados. Ao inquirirem sobre o ambiente que nos rodeia, os artistas observam, experimentam, categorizam e teorizam; usam uma metodologia científica livre de forma; combinam e recombinam os materiais naturais em artefactos culturais – mitologias, rituais e hábitos, sistemas sociais. São o que Claude Lévi-Strauss designa de bricoleurs: uma figura central na pesquisa antropológica ao improvisar com o material mais à mão, e que procura encontrar soluções para problemas tanto práticos como estéticos. As iconografias resultantes são ricas em significação e evocativas de memórias e sensações.
Da mesma forma que o antropólogo, conforme é designado por Lévi-Strauss, o corpo de trabalho originário do Brasil, desde a década de sessenta, centra-se na prática de exprimir a realidade complexa do homem moderno, através das artes plásticas, enquanto utiliza uma linguagem estruturada. Artistas como Lygia Clark e Lygia Pape, Hélio Oiticica ou Cildo Meireles, etc. introduziram subjectividade, simbolismo, combinado com uma dimensão orgânica na obra concebida, apresentada e que requeria a intervenção do público. Nas obras elaboradas através do recurso a narrativas e matérias do quotidiano, como pedaços de madeira, panos, cartões, garrafas estes artistas, predominantemente, procuravam desafiar a primazia do objecto de arte e das instituições artísticas, assim como a comercialização da arte. Os objectos, descartados do seu valor primário são reintroduzidos no sistema de relações (sociais, económicas e culturais) ao serem recombinados com outros objectos também excluídos, ou, ainda, presentes no sistema de relações definido pelo valor de uso e de troca.
Da mesma forma que o antropólogo, conforme é designado por Lévi-Strauss, o corpo de trabalho originário do Brasil, desde a década de sessenta, centra-se na prática de exprimir a realidade complexa do homem moderno, através das artes plásticas, enquanto utiliza uma linguagem estruturada. Artistas como Lygia Clark e Lygia Pape, Hélio Oiticica ou Cildo Meireles, etc. introduziram subjectividade, simbolismo, combinado com uma dimensão orgânica na obra concebida, apresentada e que requeria a intervenção do público. Nas obras elaboradas através do recurso a narrativas e matérias do quotidiano, como pedaços de madeira, panos, cartões, garrafas estes artistas, predominantemente, procuravam desafiar a primazia do objecto de arte e das instituições artísticas, assim como a comercialização da arte. Os objectos, descartados do seu valor primário são reintroduzidos no sistema de relações (sociais, económicas e culturais) ao serem recombinados com outros objectos também excluídos, ou, ainda, presentes no sistema de relações definido pelo valor de uso e de troca.
Jac Leirner, 'Hardware Silk', White Cube Mason's Yard, London, 2013 © Jac Leirner Photo: Ben Westoby Courtesy White Cube |
A figura do bricoleur foi posteriormente aproveitada e reintroduzida no texto ‘O Artista como Etnógrafo’, do académico Norte-Americano Hal Foster, (‘O Regresso do Real/The Return of the Real’ de 1996), para descrever e debater, de forma tendenciosa, o desenvolvimento da arte e teoria da arte, desde a década de sessenta, enquanto reordenava as relações entre as vanguardas anteriores e posteriores à Segunda Grande Guerra. Foster sugere que estamos a assistir a um retorno ao real na arte concebida globalmente desde a década de noventa: à materialidade dos corpos e dos espaços sociais.
A alteração radical no modo de produção e de atribuição de valor à arte, verificada nas obras dos artistas brasileiros desde 1960s, e do resto do mundo desde a década de oitenta, do século passado, conforme é defendido por Foster, revela processos complexos no qual subjetividades políticas opõem-se à organização consensual de poderes e à resultante distribuição de lugares e posições. Mobilizam resistências singulares e colectivas e energias discordantes. Por exemplo, na exposição Hardware Silk (na White Cube, Mason’s Yard, até 6 de Julho), Jac Leirner (n. 1961, São Paulo) inverte o valor hierárquico e a funcionalidade dos objectos apresentados, como Skin, ou Portrait No. 2, através da união da trivialidade e da preciosidade. No caso da instalação Skin (2013), composta por papéis de seda (‘mortalhas’ de diferentes cores: vermelho, azul, castanho, branco e amarelo) usados para enrolar cigarros e porros, a artista cria uma série de pinturas minimalistas, ou objectos com uma materialidade diáfana monocromática, enquanto refere tanto para o acto habitual e repetitivo de enrolar, como para a materialidade e a tangibilidade do material usado para fumar tabaco ou haxixe. Igualmente, Fernanda Gomes (n. 1960, Rio de Janeiro), emprega as mesma premissas ao apropria-se do espaço expositivo como uma extensão do seu estúdio. Na exposição que a artista apresentou recentemente na galeria Alison Jacques (19 de Abril a 7 de Maio de 2013), Gomes usou objectos encontrados nas proximidades da galeria, como pedaços de madeira, pedras ou linhas e matérias naturais, como ouro ou água – a artista examina a dissolução de planos no espaço e a imaterialidade e as relações da forma inscritas num todo. Se por um lado, Fernanda Gomes acentua as propriedades tangíveis dos objectos usados, por outro, porém, a artista brasileira procura fazer com que algumas dessas propriedades desapareçam. A qualidade distintiva no corpo de trabalho desenvolvido pelas duas artistas centra-se na transformação do natural, na formação de ligações entre coisas, em particular, e no acto, posterior, de desunir essas correspondências. No caso de Fernanda Gomes o motivo denota economia, com uma frugalidade caseira; enquanto, Jac Leirner, denota prodigalidade. Porém, apesar de ambas as artistas combinarem e recombinarem os materiais naturais em artefactos culturais – mitologias, rituais e hábitos, sistemas sociais – a primeira, transporta consigo os objetos descartados do seu valor primário, testemunhas da sua materialidade, enquanto, a última, reintroduz no discurso vigente na arte contemporânea objetos ainda definidos pelos seu valor de uso e troca.
A alteração radical no modo de produção e de atribuição de valor à arte, verificada nas obras dos artistas brasileiros desde 1960s, e do resto do mundo desde a década de oitenta, do século passado, conforme é defendido por Foster, revela processos complexos no qual subjetividades políticas opõem-se à organização consensual de poderes e à resultante distribuição de lugares e posições. Mobilizam resistências singulares e colectivas e energias discordantes. Por exemplo, na exposição Hardware Silk (na White Cube, Mason’s Yard, até 6 de Julho), Jac Leirner (n. 1961, São Paulo) inverte o valor hierárquico e a funcionalidade dos objectos apresentados, como Skin, ou Portrait No. 2, através da união da trivialidade e da preciosidade. No caso da instalação Skin (2013), composta por papéis de seda (‘mortalhas’ de diferentes cores: vermelho, azul, castanho, branco e amarelo) usados para enrolar cigarros e porros, a artista cria uma série de pinturas minimalistas, ou objectos com uma materialidade diáfana monocromática, enquanto refere tanto para o acto habitual e repetitivo de enrolar, como para a materialidade e a tangibilidade do material usado para fumar tabaco ou haxixe. Igualmente, Fernanda Gomes (n. 1960, Rio de Janeiro), emprega as mesma premissas ao apropria-se do espaço expositivo como uma extensão do seu estúdio. Na exposição que a artista apresentou recentemente na galeria Alison Jacques (19 de Abril a 7 de Maio de 2013), Gomes usou objectos encontrados nas proximidades da galeria, como pedaços de madeira, pedras ou linhas e matérias naturais, como ouro ou água – a artista examina a dissolução de planos no espaço e a imaterialidade e as relações da forma inscritas num todo. Se por um lado, Fernanda Gomes acentua as propriedades tangíveis dos objectos usados, por outro, porém, a artista brasileira procura fazer com que algumas dessas propriedades desapareçam. A qualidade distintiva no corpo de trabalho desenvolvido pelas duas artistas centra-se na transformação do natural, na formação de ligações entre coisas, em particular, e no acto, posterior, de desunir essas correspondências. No caso de Fernanda Gomes o motivo denota economia, com uma frugalidade caseira; enquanto, Jac Leirner, denota prodigalidade. Porém, apesar de ambas as artistas combinarem e recombinarem os materiais naturais em artefactos culturais – mitologias, rituais e hábitos, sistemas sociais – a primeira, transporta consigo os objetos descartados do seu valor primário, testemunhas da sua materialidade, enquanto, a última, reintroduz no discurso vigente na arte contemporânea objetos ainda definidos pelos seu valor de uso e troca.
Jac Leirner, 'Hardware Silk', White Cube Mason's Yard, London, 2013 © Jac Leirner Photo: Ben Westoby Courtesy White Cube |
Um agenciamento que reflecte alternativas projecções da percepção do ‘outro’ sobre o ‘nós’, ou, com uma perspectiva europeísta, do ‘ali’ sobre o ‘daqui’. Mas sem a alteração da cultura, costumes ou sistemas sociais normalmente associadas à aculturação do primitivo, mas sim, denotam o resultado inverso, a conservação dos princípios relacionados com o espaço e as relações sociais, das necessidades quotidianas de grupos pré-determinados.
O acto de resistência divergente projectado pelas duas artistas – de combinar e recombinar os materiais (que denotam ‘aculturação’ ou ‘canibalismo’) – enquanto despejam-nos de valor nas relações socioeconômicas e transformam-nos em artefactos culturais distintos; em criar novas leituras sobre os sistemas institucionais, sobre as dinâmicas relacionais, e sobre as hierarquias históricas pode ser equiparado, a um nível global, com a celebração da materialidade do material, por Jimmie Durham (1940, EUA), ao usar objetos encontrados no ambiente envolvente, desde a década de oitentas; ou, mais recentemente, os objetos recolhidos da imediações do seu estúdio que compõem as peças e instalações escultóricas concebidas por Mauro Cerqueira (1982, Portugal). Apesar de Leirner e os outros três artistas compartilharem do mesmo ponto de singularidade discursiva ao preservarem e conservarem o valor dos materiais usados enquanto multiplicam as variantes interpretativas, existe uma afinidade entre o trabalho de Jac Leirner e os objetos de uso quotidiano encontrados no ambiente de Nova Deli, por Subodh Gupta (1964, India), enquanto explora as questões relacionadas com o deslocamento cultural prevalente numa era de mudanças de poder assim como das histórias pessoais; ou, ainda, nos comentários sobre o real realizados por Joana Vasconcelos (1971, Paris), enquanto investiga o presente através da leitura das mitologias e iconografias ocidentais, como valores, hábitos e costumes de uma cultura, em particular, a Portuguesa. Pois estes artistas, tal com Leirner, partem de objetos ainda com valor de uso e troca no sentido de mostrar a perda e a destruição da prodigalidade.
O objectivo não é o de substituir continuidade por descontinuidade mas sim o de apresentar a relação entre os dois princípios de forma diferentes. Dado o mundo actual abraçar o reconhecimento mútuo de uma heterogeneidade cultural, e a qualidade de incluir várias narrativas sobre o mesmo princípio relacional e o ambiente que nos rodeia.
O acto de resistência divergente projectado pelas duas artistas – de combinar e recombinar os materiais (que denotam ‘aculturação’ ou ‘canibalismo’) – enquanto despejam-nos de valor nas relações socioeconômicas e transformam-nos em artefactos culturais distintos; em criar novas leituras sobre os sistemas institucionais, sobre as dinâmicas relacionais, e sobre as hierarquias históricas pode ser equiparado, a um nível global, com a celebração da materialidade do material, por Jimmie Durham (1940, EUA), ao usar objetos encontrados no ambiente envolvente, desde a década de oitentas; ou, mais recentemente, os objetos recolhidos da imediações do seu estúdio que compõem as peças e instalações escultóricas concebidas por Mauro Cerqueira (1982, Portugal). Apesar de Leirner e os outros três artistas compartilharem do mesmo ponto de singularidade discursiva ao preservarem e conservarem o valor dos materiais usados enquanto multiplicam as variantes interpretativas, existe uma afinidade entre o trabalho de Jac Leirner e os objetos de uso quotidiano encontrados no ambiente de Nova Deli, por Subodh Gupta (1964, India), enquanto explora as questões relacionadas com o deslocamento cultural prevalente numa era de mudanças de poder assim como das histórias pessoais; ou, ainda, nos comentários sobre o real realizados por Joana Vasconcelos (1971, Paris), enquanto investiga o presente através da leitura das mitologias e iconografias ocidentais, como valores, hábitos e costumes de uma cultura, em particular, a Portuguesa. Pois estes artistas, tal com Leirner, partem de objetos ainda com valor de uso e troca no sentido de mostrar a perda e a destruição da prodigalidade.
O objectivo não é o de substituir continuidade por descontinuidade mas sim o de apresentar a relação entre os dois princípios de forma diferentes. Dado o mundo actual abraçar o reconhecimento mútuo de uma heterogeneidade cultural, e a qualidade de incluir várias narrativas sobre o mesmo princípio relacional e o ambiente que nos rodeia.
Published at Molduras: as artes plásticas na Antena 2: Jac Leirner: Hardware Silk
No comments :
Post a Comment