Carroll / Fletcher (Londres)
Phoebe Boswell, The Matter of Memory, 2013-14 installation view |
De uma forma geral, quando penso sobre a família, surge-me a imagem de um grupo de pessoas composto por mais de uma geração, e o qual têm uma singular paixão por viveram em conjunto. Independentemente do carácter individual de cada qual, dos defeitos, frustrações e qualidades. Num domingo à tarde a família reúne-se num salão para estar. Filhos, pais, tios e tias, avôs e netos, sobrinhos e primos, cunhados, sogros, genros e noras, estão rodeados por memórias, momentos intangíveis vividos entre aquelas quatro paredes, ou objectos ou imagens que reportam a momentos únicos vividos fora desse espaço íntimo, privado, como imagens de animais que enfrentamos e conquistamos, enquanto o almoço é servido e os cães dormem em frente da lareira. Num âmbito mais académico, considero o que o professor de ciência política, Benedict Anderson, escreveu sobre as comunidades imaginadas; enquanto, num contexto mais vulgar, o nacionalismo banal, pelo também professor de ciência política, Michael Billig. Durante muito tempo na nossa vida não existe qualquer outro sistema possível de ser comparável. Não temos ainda esse conhecimento. O mundo é e compreende-se unicamente a e esse espaço indivisível e indestrutível.
Por esta razão a família com o passar do tempo torna-se, do ponto de vista de quem está em crescimento, o mundo para com o qual ela tem de se revoltar. De ser do contra. Queremos introduzir eventos que causem interrupções na actividade e dinâmica que envolve o funcionamento e posicionamento deste sistema de governo. Este descontentamento critico para com a sociedade, em geral, e, para com a noção família, em particular, surge quando considero os efeitos tanto políticos como culturais associados com a noção de identidade. Especialmente, após considerar o que John Akomfrah (1957, Gana), Phoebe Boswell (1982, Kenya) e Rashaad Newsome (1979, USA) apresentam na galeria Carroll / Fletcher (Londres). Os trabalhos apresentados examinam as impressões que as nossas origens históricas e culturais têm tanto ao nível pessoal como na construção e definição da sociedade contemporânea: o simbolismo (sexo, carros, e joias, ou poder, performance, e pertença) associado à cultura Hip Hop Afro-Americana, e explorado através de filmes, animações, colagens e esculturas (2011-2013), por Newsome, é demasiado evidente. Durante muito tempo, quando somos e estamos na posição crítica, de encontrar os defeitos dos sistemas de governo estamos nada mais do que a fazer critica à nossa família.
Rashaad Newsome, Herald, 2011 |
Naturalmente, a família inspira-nos a procurar e a encontrar os defeitos, a anular e a destruir, para mais tarde voltar a construir um sistema similar. Um sistema que mimique o que existia anteriormente, replique as regras e valores que atribuem a força e poder a este sistema que nos é familiar. Sejam essa questões relacionadas com a quadra natalícia ou uniões matrimoniais, antecedências políticas, fidalgas ou aristocráticas, ou o repartir da riqueza de forma igual. O rebelde é então aquela pessoa que necessita que o mundo continue igual para continuar a insurgir-se contra, não é um revolucionário que quer alterar a ordem do mundo ou mesmo um inovador. Ele é simplesmente um conservador-hipócrita. E é essa paixão, essa frustração que identifica o que é do domínio da condição da família que é poeticamente revelada por Newsome, em Shade Compositions (2012). O artista actua como o conductor de uma performance ao vivo (composta por gestos, movimentos e vocalizações repetidas) que, ao misturar o som – como um ‘Disc-Jockey’ – faz alusão à improvisação numa composição orquestrada.
A forma como lidamos com essa frustração é que revela a nossa atitude para com a vida. Se continuamos indolentes, personificados pelo que criticamos ou nos movemos para outros campos de possiblidades discursivas e relacionais. No momento em que concebemos a nossa família é que começamos a perceber porque é que se dá início a guerras e existem conflitos. Os campos de possiblidades abrem-se ou tornam-se ínfimos. É aqui que A questão da memória [The Matter of Memory] (2013-2014), de Phoebe Boswell, é oportuna e pertinente para este momento. Uma sala cheia de engenhos mnemônicos, um espaço onde a família está. Pois a memória é um testemunho com o futuro em mente. Apesar de cada vez mais necessitarmos de engenhos para registar, arquivar e manter de uma forma anátema, a memória depende das experiências, eventos, acontecimentos e sensações únicas, irrepetíveis, indivisíveis e indestrutíveis. Ela responde às histórias contadas no presente. De repente criamos uma instalação multissensorial na sala de estar, enquanto recordamos e recontamos esses momentos passados. A evidência que nos transporta para o lugar do crime. Para quando éramos rebeldes, quando nos insurgimos contra os sistemas de poder institucionalizados. Os desejos que vimos reprimidos são replicados de uma forma bitransitiva: nós somos o objeto directo da frustração, como o objecto indirecto, repercutido através das gerações anteriores e dos nossos descendentes. O assunto, na instalação vídeo de John Akomfrah, Transfigured Night (2013), onde o artista reflecte sobre o alheamento instintivo nos deslocamentos das histórias pós-coloniais.
John Akomfrah, Transfigured Night, 2013 (video-still) |
No entanto, o acto de recordar está dependente da forma como recordarmos. Recordamos o que queremos recordar da forma correcta? Ou, recordarmos o que mais nos interessa recordar de uma forma virtuosa? Recordar de uma forma correcta dá-nos a vida que queremos, mesmo que isso implique a alteração da realidade à qual nos estamos a reportar. Ou seja, o intuito natural final é não nos lembrarmos, porque fazemos uma selecção dos momentos que queremos recordar e esquecemos os restantes. Esquecemos que existem outras memórias, outros espaços com outras validades e campos de possibilidades.
A exposição na Carroll / Fletcher termina dia 10 de Abril de 2014.
Published at Molduras: as artes plásticas na Antena 2: John Akomfrah, Phoebe Boswell and Rashaad Newsome
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