Monday, 31 August 2009

O mercado africano de arte contemporânea

Procura será maioritariamente suportada por coleccionadores locais ou afro-americanos.

Distante do continente a que diz respeito, a denominada arte africana contemporânea é, principalmente, promovida e transaccionada por privados ou coleccionadores institucionais europeus ou norte americanos. Esta situação deriva da ausência ou do fraco desenvolvimento das infra-estruturas de suporte de um mercado centrado na criação de peças de arte contemporânea, como galerias e centros de arte, museus e colecções privadas, mas essencialmente devido à inexistência de uma classe média que pode estabelecer um mercado nacional de arte contemporânea e eleger os seus representantes no mercado global da arte.

Com excepção da África do Sul, onde existe um importante apoio financeiro e cultural para a promoção da produção artística, os artistas africanos contemporâneos são comercializados sobretudo no mercado ocidental. Nomeadamente através das plataformas de recepção de obras recém-criadas, nas galerias de arte localizadas nos mais importantes centros de arte, como Paris, Londres, ou Nova Iorque.

Quando comparado com outros mercados emergentes, como o chinês ou o indiano, este não foi dos mais especulativos. Particularmente devido ao facto de a sua procura se realizar mais no mercado primário do que no mercado secundário – espaço privilegiado para as maiores especulações, o mercado secundário está reservado às transacções de obras que já integraram colecções particulares, por exemplo, obras «em segunda mão» revendidas em transacções entre diferentes partes, a nível privado, por casas leiloeiras ou pelos denominados marchands de arte.

Apesar do difícil relacionamento entre as diferentes comunidade locais e o mercado internacional, realizou-se em Luanda, em 2006, o primeiro evento dedicado à arte contemporânea com impacto internacional. A Trienal de Arte Contemporânea de Luanda, apoiada pela fundação de Sindika Dokolo, revelou obras de artistas contemporâneos angolanos como Yonamine, Ihosvanny, Kiluanji Kia Henda ou Fernando Alvim.

O mercado africano de arte contemporânea ainda está numa fase incipiente, mas o facto de muitas instituições, artísticas e comerciais, estarem a comprar com significativo vigor permitirá criar uma base sólida para esta arte. Mesmo apesar de existir uma fonte reduzida de artistas de qualidade, para um dos mais importantes coleccionadores de arte contemporânea africana, o italiano Jean Pigozzi, a procura por peças de arte contemporânea africana será maioritariamente suportada por coleccionadores locais, ou afro-americanos.

Published at NS'190/IN#086, Mercado da arte (60), (Diário de Notícias N.º 51280 e Jornal de Notícias N.º 89/122), 29 de Agosto de 2009 Portugal © Yonamine, Jah Love, 2005 Courtesy Sindika Dokolo Foundation 2009

Tuesday, 25 August 2009

Confissões de... Carla Cruz

Artista Plástica

A minha paixão secreta...
Ser homem por um dia, mas apenas um dia, e ter uma erecção.
Onde gostaria de viver...
No centro da (uma) cidade, mas com um quintal, rodeio-me sempre de verde. O ideal era que tivéssemos casas no meio de parques e jardins e não o contrário.
O museu que gostaria de dirigir...
O meu museu favorito, o Pitt Rivers Museum, de antropologia e arqueologia, em Oxford (Reino Unido).
Coisas que me deixam acordada durante a noite...
Injustiças, más acções, às vezes perpetradas por mim, infelizmente, essas então enquanto não as corrigir tiram-me o sono. Mas também há motivos felizes para ficar acordada, e aí exibem-se, acompanhadas de um sorriso, as profundas olheiras matinais.
O melhor vinho que apreciei (em)...
E que significa sempre estar com a família toda à mesa é o Branco Fernão Magalhães de Sabrosa.
Aprecio a companhia de...
Dos meus amigos, bons conversadores, comedores e bebedores, gente descontraída e espontânea.
Os críticos são incompreendidos por...
Deixarão de o ser no dia em que a cultura for uma coisa tão participada como o futebol, e todos formos «críticos de bancada».
As feira de arte são importantes por...
As feiras de arte não me são importantes. Em 2006 participei pela primeira e única vez numa feira de Arte, a Arco - Madrid, apresentei uma performance: I am an Artist. What can I Do for You? [Sou uma artista. O que posso fazer por ti?] que estava escrito na minha T-Shirt. Com esta oferta entrei em diálogo com os visitantes sobre a importância, o papel, da arte e dos artistas. A visão das pessoas com quem falei é bem mais interessante, social e participativa do que uma feira nos tenta vender.
Uma tarde é demasiado cedo para...
Nunca é demasiado tarde para tomar o pequeno almoço (refeição favorita) mas é sempre demasiado cedo para dormir, não sou adepta da sesta.

Published at NS'189/IN#085, Mercado da arte (62), (Diário de Notícias N.º 51273 e Jornal de Notícias 82/122), 22 de Agosto de 2009 Portugal © Carla Rocha Cruz

Monday, 24 August 2009

O mercado de arte contemporânea em França

No primeiro semestre de 2009, Paris apresentou receitas em leiloes superiores às de Londres ou Nova Iorque.

Em 2008, os mercados de arte mais dinâmicos trocaram de posição: o Reino Unido destitui os Estados Unidos do primeiro lugar, ao reposicionar a Europa como a capital do mercado de arte, enquanto a China superava a França no terceiro lugar, com 7,2% das receitas em leilão. No entanto, neste últimos meses, Paris mostrou uma resiliência extraordinária à contracção visível dos outros mercados. Durante o primeiro semestre de 2009, a capital francesa apresentou valores de receitas em leilões de arte superiores aos de Londres ou Nova Iorque.

Muito desta capacidade de resistência da capital francesa à contracção mundial dos preços de obras de arte contemporânea deve-se ao facto de Paris (e a França em geral) ter essencialmente um mercado de gama alta mais reduzido quando comparado com os outros países e, portanto, ser menos especulativo por natureza (convém relembrar que nesses três mercados os preços de obras de arte contemporânea e moderna aumentaram muito rapidamente, incluindo os valores para obras de qualidade medíocre), e à venda de colecções privadas de figuras públicas, como a de Pierre Bergé-Yves Saint-Laurent, em Fevereiro, pela leiloeira Christie’s. Esta resultou em €373.9 milhões para os 656 lotes disponíveis (valor equivalente a 53,3% das receitas totais dos leilões na França, em 2008): Henri Matisse Les Coucous, Tapis Bleu et Rose (1911), estimado em €12 milhões, foi vendido por €32 milhões, ou Composition avec Bleu, Rouge, Jaune et Noir (1922) de Piet Mondrian, estimado em €7 milhões, alcançou um valor superior a €19 milhões, por exemplo; ou, ainda, o leilão de arte contemporânea na Sotheby’s de Paris, em Maio, que encontrou compradores para 95,2% dos lotes em oferta, o qual resultou num total de €9 milhões, para um estimado entre €5.6 milhões e €7.8 milhões.

Paralelamente, as leiloeiras francesas também produziram resultados notáveis. Em Junho, a casa J.J. Mathias, Baron Ribeyre & Associés, Farrando-Lemoine, através da leiloeira parisiense Drouot Richelieu, venderam uma escultura de August Rodin, Le Penseur (1882-1917, com 72,5cm), por €2 560 000 (sem comissões, e estimado em €400 mil), um recorde mundial para um Pensador do autor.

A quota francesa do mercado de arte foi progressivamente desgastada desde a década de cinquenta, quando esta era a localização mundial dominante e as vendas da Drouot superavam as da Sotheby’s e da Christie’s combinadas. É um facto que muito do declínio do mercado francês, nestas últimas décadas, se deveu à dificuldade e falta de capacidade francesa em responder adequadamente às novas práticas num mercado juridicamente liberalizado, nomeadamente com a criação de um sistema regulador para leilões demasiado proteccionista, com especial incidência no sector da arte contemporânea (sector que posteriormente veio a ser liderado por Nova Iorque). Todavia, presentemente a procura por objectos de arte é – em sectores onde é requerido um maior conhecimento, uma capacidade de julgamento superior em questões do gosto – uma área onde a influência da «Velha Europa», com a sua experiência e longa tradição de coleccionismo, está visivelmente a crescer.

Published at NS'189/IN#085, Mercado da arte (62), (Diário de Notícias N.º 51273 e Jornal de Notícias N.º 82/122), 22 de Agosto de 2009 Portugal © Henri Matisse, Les Coucous, Tapis Bleu et Rose, 1911 Courtesy Christie’s 2009

Tuesday, 18 August 2009

Confissões de... Carlos Noronha Feio

Artista Plástico

A minha paixão secreta...
Palavra escrita. Teatro. Escrever sobre situações plausíveis de serem reais. Uma documentação fictícia. Também o faço através da pintura.
Deveria ter sido...
O que sou, sem arrependimentos.
Coisas que me deixam acordado durante a noite...
Raposas no jardim
A última vez que cozinhei foi para...
A minha namorada. Risotto de cogumelos e lulas.
Aprecio a companhia de...
Família, amigos, alegres e positivos
O museu que gostaria de dirigir...
O British Museum, pela diversidade; o Museu do Chiado (com espaço e orçamento realista, entrada livre, café agradável e uma livraria como a Koenig)
Os artistas são incompreendidos por...
Serem categorizados. Quando o acto de criar tem a ver com tentar tornar-nos verdadeiramente individuais.
Feira de arte são importantes por...
Serem os novos salões.
A vida é demasiado curta para...
Minhoquices, ressentimentos, e mais umas tretas do dia a dia.

Published at NS'188/IN#084, Mercado da arte (64), (Diário de Notícias N.º 51266 e Jornal de Notícias N.º 75/122), 15 de Agosto de 2009 Portugal © Carlos Noronha Feio

Monday, 17 August 2009

O mercado russo de arte contemporânea

Após décadas de rigidez e estagnação, vários coleccionadores abriram os seus espaços ao público.

A deterioração geral das condições económicas no final do ano passado teve repercussões na riqueza de muitos dos oligarcas Russos. De acordo com a revista Forbes, o número de bilionários russos decresceu 66%, em relação a 2007.

A descida do preço do petróleo – de US$130 para US$30 por barril de crude, níveis equiparados aos praticados em 2004 –, a rápida caída dos preços das acções, aliada a uma previsão económica global sombria, tiveram significativas repercussões no mercado da arte contemporânea russo no último trimestre de 2008. Entretanto, desde essa data, a bolsa russa já recuperou algumas das perdas e o preço do petróleo subiu para os níveis de 2006-07 (US$60 por barril de crude).

Depois de várias décadas de rigidez e estagnação económica e burocracia política, vários coleccionadores, na antiga União Soviética, abriram os seus espaços ao público com o objectivo de desenvolver e fortalecer a comunidade artística local e promover um iniciativa educacional com fundos privados para um público mais alargado – em 2006, o empresário Viktor Pinchuk, inaugurou o PinchukArtCentre em Kiev (Ucrânia), enquanto Igor Marking apresentou o Art4ru em 2002, o primeiro museu russo dedicado à arte contemporânea. O apoio privado tem desempenhado desta forma um papel fundamental no desenvolvimento do mercado da arte contemporânea.

Durante o mesmo período, em Portugal, o empresário Joe Berardo inaugurou em 2007 o Museu Colecção Berardo (Lisboa); anteriormente, em 2004, surgiu a Fundação Ellipse (Alcoitão), uma iniciativa do banqueiro João Rendeiro; e, em 2001, a sociedade de advogados PLMJ (Lisboa) criou a Fundação PLMJ.

Mais recentemente, e apesar da curva descendente nos investimentos, em Setembro de 2008, Dasha Zhukova inaugurou o Garazh Centre dedicado à promoção e divulgação da cultura contemporânea, em Moscovo (Rússia). Concorrentemente, surgiram várias galerias que actualmente se posicionam como importantes pontos de referência no mercado da arte russo, mas também um suporte activo para a comunidade artística local, como por exemplo a XL Gallery, em Moscovo, ou a D-137 Gallery, em São Petersburgo.

O impacto da presente crise financeira no mercado global da arte está a permitir reconstruir a confiança dos coleccionadores e, mais particularmente, dos investidores no próprio mercado nos produtos oferecidos pelo mercado. Dos vários leilões realizados por diferentes leiloeiras dedicados à arte russa, em Junho, na Sotheby’s de Londres, o óleo sobre tela The Village Fair (1920), de Boris Kustodiev, estabeleceu um novo recorde para o artista em leilão, muito acima do estimado. Neste mesmo leilão foram estabelecidos três outros recordes para obras de artistas em leilão: Landscape (1908) de Konstantin Kryzhitsky, Nanny With Children (1912) de Isaak Brodsky e Still Life Of Flowers (1931) de Vladimir Lebedev.

É certo que esta curva descendente vai retirar muitos dos nomes mais recentes da arte contemporânea e reconhecidos pelo público em geral, mas também está a permitir o aparecimento de novas oportunidades de expressão, aquisição e investimento.

Published at NS'188/IN#084, Mercado da arte (64), (Diário de Notícias N.º 51266 e Jornal de Notícias N.º 75/122), 15 de Agosto de 2009 Portugal © Boris Mikhailovich Kustodiev, The Village Fair, 1920 Courtesy Sotheby's 2009

Tuesday, 11 August 2009

Confissões de... Ana Pérez-Quiroga

Artista Plástica

O meu maior erro...
Levar-me a sério.
A minha paixão secreta...
Organizar, dividir, arrumar e voltar a desorganizar, unir, desarrumar.
Deveria ter sido...
Continuo indecisa entre Coreografa e Chef.
Coisas que me deixam acordada durante a noite...
Trabalho e romances.
A última vez que cozinhei foi para...
Os meus melhores 11 amigos.
O melhor vinho que apreciei em...
Viseu, foi no aniversário do meu irmão António.
Aprecio a companhia de...
Família, amigos, conhecidos, flora, fauna e de mim mesma.
Os críticos são incompreendidos por…
que os artistas estão noutra.
Uma tarde é demasiado cedo para...
Fazer as coisas que só gostamos de fazer à noite.

Published at NS'187/IN#083, Mercado da arte (62), (Diário de Notícias N.º 51259 e Jornal de Notícias N.º 68/122), 8 de Agosto de 2009 Portugal © Ana Pérez-Quiroga

Monday, 10 August 2009

Arte, valor e preço

Consultora Valerie Kabov denuncia a especulação dos gestores financeiros, que destrói os valores das peças de arte.

Durante a última década, a exposição pública do mercado internacional da arte, com valores continuamente superados em leilões e apresentados pelas galerias, obscureceu e esbateu as fronteiras entre valor e preço da arte. Indivíduos mais interessados no lucro do que na arte introduziram no mercado um constante crescimento dos preços de obras de arte, «muitas pessoas que não entendem nada sobre arte mas que sabem muito sobre mercado e com dinheiro disponível» povoaram o universo artístico, pouco preocupadas com a qualidade da arte e de onde provinha, esclarece Valerie Kabov, consultora de arte.

Presentemente a realizar um doutoramento em História da Arte na Sorbonne, Paris 1 (França), sobre as relações entre política cultural, o mercado da arte e a recepção e envolvimento com arte contemporânea, Valerie Kabov defende que «o mercado não entende arte, o mercado sabe sobre preço. O mercado compreende oportunidades, mas não o que realmente valoriza arte, porque o mercado não tem tempo para aprender sobre arte». Por oposição, os que advogam a arte «têm esse tempo para compreender o que faz o valor da arte». Assim, quando a arte mais importante é apresentada ao mercado é apresentada com o valor apropriado. «O que os gestores financeiros, e não só, fizeram foi comprar peças de arte e vendê-las passado um ano, isso é especulação. Não contribui para o valor, na verdade, destrói o valor». E conclui: «isto foi o que aconteceu de errado no mercado.»

Um caso paradigmático é o colapso do mercado da arte contemporânea chinesa, quando o mercado da arte originária do Médio oriente não seguiu o mesmo percurso. Conforme explicou a consultora em conversa, «a razão da diferença entre o mercado chinês e o Médio Oriente está em que a arte contemporânea chinesa, reconhecível e de fácil relacionamento, é uma arte focalizada no público ocidental, os gestores de recursos ou de capitais, basicamente, os compradores. Enquanto a arte contemporânea do Médio Oriente não aspira unicamente a este mesmo público, é apoiada por compradores tradicionais, os compradores árabes, mas também fala sobre valores Islâmicos».

Por exemplo, os óleos sobre tela, de Zhang Xiaogang (1958, China), apresentam sob um fundo cinzento sempre as mesmas figuras melancólicas, ocasionalmente uma mancha evidencia-se em toda a composição; ou as pinturas de Yue Minjun (1962, China), faces sempre com grandes sorrisos, oferecem-se quase como uma lembrança alternativa excessivamente cara.

Com excepção de Londres e Nova Iorque, todos as restantes cidades internacionais consideram-se na periferia do mercado da arte. Para Valerie Kabov, este facto deve-se ao fenómeno do mercado. Os centros mais importantes eram onde decorriam as maiores vendas». De acordo com avaliação feita pela consultora Artprice.com, em 2008, os Estados Unidos e o Reino Unido representavam 71.3 por cento, mais de dois terços, e a china com 7.2 por cento do mercado de peças de arte vendidas em leilões, internacionalmente.

Relativamente às oportunidade neste novo paradigma, o mercado de arte contemporânea vai «estar atento aos artistas em meio de carreira. Os que durante os últimos anos não estiveram no centro das atenções, os que realmente continuaram a conceber trabalhos com qualidade, mesmo quando ninguém estava a prestar atenção. Porque agora é que eles estão a produzir os seus melhores trabalhos».

Published at NS'187/IN#083, Mercado da arte (62), (Diário de Notícias N.º 51259 e Jornal de Notícias N.º 68/122), 8 de Agosto de 2009 Portugal © Yue Minjun, Gweong-Gweong, 1993-97 Courtesy Christie's 2009

Wednesday, 5 August 2009

Valerie Kabov

Valerie Kabov é crítica e académica assim como uma profissional da arte multi-disciplinar. Ela combina a sua pesquisa académica em história da arte e política cultural com projectos focados na educação e em iniciativa dirigidas a colmatar o fosso entre a comunidade das arte visuais e o público em geral. Valerie Kabov é também fundadora e directora da Renaissance art investment consultancy. Kabov possui um Mestrado em Curatorship and Modern Art pelo Department of Art History and Theory, University of Sydney (Austrália), e presentemente, está a desenvolver um projecto doutoral em História da Arte na Sorbonne, Paris 1 (França).

Durante as últimas décadas o mercado da arte evoluiu no sentido de encarar a arte como um “produto de investimento alternativo”, no qual é difícil perceber qual a distinção entre Valor e Preço – dois denominadores importantes na tua pesquisa sobre o valor da arte contemporânea. Podes esclarecer-me qual é a diferença entre estes dois avaliadores performativos?
Desde há já um ano e meio eu estou a dizer que o mercado está no lugar errado. No sentido de que nós tivemos as pessoas erradas no mercado da arte, a forma como as pessoas estavam a gastar dinheiro. A arte contemporânea chinesa foi um exemplo evidente. Curiosamente, o Médio Oriente não entrou em colapso da mesma forma. O motivo radica na diferença entre a China e o Médio Oriente, em que o mercado chinês de arte contemporânea concebia arte centrada em agradar ao público ocidental (os compradores), os gestores de hedge-funds que gastavam acima dos seus limites. Inversamente a arte contemporânea do Médio Oriente não foi e não é centrada numa audiência Ocidental, é apoiada por compradores tradicionais, compradores originários do Médio Oriente/Árabes, porque esta fala sobre valores Árabe - arte Islâmica. Também não cortou com a tradição de onde vem. Na China, eles decidiram fazer as coisas para o mercado Ocidental porque, os compradores ocidentais, pareciam gostar desta arte. Tornou-se uma espécie de lembrança alternativa mais cara (uma lembrança muito cara!). Por isso é que era um falso mercado e é por isso que falhou agora. O mercado da arte Indiano é uma mistura; muito do que se fez visava os mercados ocidentais. Ou seja, sempre que se faz coisas apenas para agradar o mercado, falha-se. O mercado não entende de arte, o mercado percebe de preço. O mercado entende oportunidades, mas realmente não faz para colocar valor na arte, porque o mercado não tem tempo para aprender sobre a arte. Nós Temos tempo. Nós entendemos o que é que faz arte com valor. No momento em que a arte valiosa chega ao mercado esta é avaliada correctamente. Mas se se fizer como os hedge-funds estavam a fazer, por exemplo, a comprar obras de arte e a vendê-las um ano mais tarde, isto é especulação. Isto não contribui para o valor. Na verdade, destrói o valor.

Então, neste caso aonde foi que o mercado errou?
Muita gente que entrou no mercado não entendia sobre arte, para além de saberem como jogar com o mercado tinham bastante dinheiro disponível. Estas eram as pessoas erradas. Fomos todos levados pela ganância e pelo dinheiro fácil. Mas as pessoas são assim! É uma falha humana.

Podemos dizer que estamos numa fase de esclarecimento?
Espero bem que sim. Durante mais de uma década alguns indivíduos diziam que o mercado da arte nunca iria entrar em recessão. É bom os artistas “na moda” terem falhado. Eu penso que devem. Alguém como o Damien Hirst, com o seu leilão [coincidente com a falência da Lehman Brothers Holdings Inc., em Nova Iorque, nos Estados Unidos, nos dias 15 e 16 de Setembro de 2008 realizou-se o leilão Beautiful Inside My Head, na Sotheby’s de Londres, no qual Hirst vendeu directamente ao público 218 peças por cerca de €140 milhões] mostrou que não tem mais para dizer como artista. Basicamente, ele é uma criatura do mercado, uma marca, um produto, nada mais. Ele fundou uma empresa, ele fez-se num negócio. É tudo sobre negócios. Quem são os outros investidores do crânio com diamantes [For the Love of God, 2007, é um crânio humano recriado em alumínio e adornado com 8.601 diamantes, entretanto adquirido por um consórcio por €75 milhões a 28 de Agosto de 2008]? Os artistas fazem obras de arte com crânios desde sempre.

Num dos teus textos referes que “o controlo do preço da arte não pode ser compreendido sem se perceber o valor da arte, que por sua vez está intimamente relacionado com o lugar de onde a arte é originária”. Podes explicar como é que vês o papel do “lugar”, da “localização” neste contexto?
Uma das razões pela qual eu falo de lugar é porque lugar é também um lugar económico. Uma obra de arte pode ser avaliada e ter um preço, se as pessoas a querem ter e a desejam ter, é porque elas compreendem que a obra significa algo de importante para elas. O lugar onde a obra de arte vai ter o maior valor é onde o artista vive, o lugar onde podes comunicar mais eficazmente as suas ideias, e onde essa conversa com o público é a mais significativa. Não estou a afirmar que se deve fazer obras de arte especificamente para um lugar em mente, mas se és um bom artista és sempre sensível ao mundo que te rodeia. Que mundo? Se te moves em, as tuas conversas são, os teus pensamentos são sobre o lugar onde estás a viver.
E se não estás a fazer arte para as outras pessoas, então porque trabalhas? Muitas vezes falo com jovens artistas e digo-lhes – tu fizeste este trabalho, óptimo! Mas porque é que devo olhar para ele? Normalmente ficam chocados e surpreendidos, porque nunca se questionaram. Eles pensam “- Ó, estou a expressar-me!” Mas, digo eu, “isso é excelente, mas porque é que devo olhar para o teu vomitado emocional? Quando estiveres preparado para partilhar alguma coisa, para eu fazer parte disso, então falamos...”

Sei que estás a realizar uma pesquisa sobre políticas culturais, economia da arte e audiências para a arte contemporânea na França e Austrália – Europa e Novo Mundo – é possível alguma comparação? Quais são as diferenças e similaridades?
Exceptuando Londres e Nova Iorque, talvez, Berlim, todos os outros locais pensam que estão na periferia do mundo da arte, devido ao fenómeno do mercado. nos últimos anos os centros que se tornaram importantes são aqueles onde decorria o maior volume de vendas, de transacções. Espero ver uma alteração. Londres, e os ingleses historicamente, não são uma grande potência em termos de artes e cultura visual. Mas existiu uma confluência de grandes quantidades de dinheiro gerado, do apoio governamental através da National Lottery [Lotaria Nacional] e do British Council para as artes e do aparecimento de figuras como o Charles Saatchi. De repente tinha-se este espigão nas artes visuais.
Mas gostaria de regressar à ideia de públicos no lugar, públicos e clientes – nem sempre é o mesmo na arte contemporânea (apesar de pensar que deveriam de ser). Portanto, correntemente nós temos três públicos para a arte contemporânea – governo e a filantropia/patronos ricos num lado, e o público em geral no outro. Apesar dos artistas pensarem que estão a fazer obras para a sociedade no seu todo o dinheiro primariamente vem dos filantropos e do governos. No entanto, se os artistas sabem que o dinheiro vem dos dois primeiros grupos, eles vão inevitavelmente ter um impacto em como fazem as obra de arte porque estes são quem os artistas realmente contam com para viver e comprar os seus trabalhos. Mesmo quando pensam que estão a fazer obras de arte para todos, quando estão a preencher candidaturas a fundos estão a pensar nos objectivos dessas organizações não sobre as necessidades do público em geral. Só quando o público em geral começar a apoiar as artes financeiramente é que então serão incluídos. O meu ponto é, como é que fazemos o público em geral apoiar a arte e os artistas, em vez dos governos. Presentemente, estou a estudar o papel dos governos, e a tentar mudar a forma como eles gastam dinheiro na arte. Eu penso que deveria existir muito mais dinheiro gasto na educação de adultos.
Presentemente, a educação das crianças está a definir a prioridade para a educação nas políticas educacionais, mas não é o suficiente. Se levas uma criança a um museu isso é muito bom, mas se na sua família a prioridade não é o museu ou a galeria mas o café ou o centro comercial, elas vão ao museu uma vez mas em geral elas irão aos cafés quando crescerem. Necessitas de ter coisas que estejam focadas em adultos. Educação de adultos não tem de ser um exercício seco e sério de aprendizagem num ambiente de sala de aula. Na minha pesquisa pessoal e projecto de trabalho, estou a procurar a forma na qual nós podemos encarar projectos exposicionais e incorporar educação nas exposições de uma forma significativa, de uma forma efectiva a longo prazo. O que encontrei foi que presentemente os modelos exposicionais, como bienais e feiras de arte são muito más a educar pessoas sobre o que de facto é bom na arte. Nas ferias o contexto educacional não é importante, vender é a prioridade. Desta forma o público em geral compreende que se eles vão a uma feira de arte alguém vai só querer vender-lhes algo. Não existe um nível intermédio onde eles possam ver que aquela obra foi seleccionada de forma independente e com o seu mérito. O que estou a tentar fazer é desenvolver relações com novos conceitos expositivos que tenham programas educacionais para permitir oferecer ás pessoas ferramentas e confiança. tomarem as suas decisões na selecção e compra de arte contemporânea. Assim as pessoas sentem-se seguras e sabem que não aparecerá alguém a querer vender-lhes seja o que for. Eu quero que as pessoas tenham confiança na selecção das suas obras de arte, e que construam relações com os artistas. É por isso que penso que os governos deveriam era de estar a apoiar a educação.
O que necessitamos de desenvolver é uma ligação entre arte e economia, porque, actualmente, nós temos uma ligação entre arte e luxo. Eu quero anular isso. A arte não deve de ser um luxo, mas deve de fazer parte da nossa vida, como quando vamos a um supermercado e escolhemos o produto que queremos da prateleira.

Sendo assim, quais é que são os grandes desafios que a arte e os artistas contemporâneos se defrontam actualmente?
O grande desafio para os artistas presentemente é transporem o pós-modernismo, no sentido em que o pós-modernismo foi uma reacção ao modernismo e descarrilou uma data de coisas. Intelectualizou a arte o que fez muitos artistas serem melhores filósofos ou pensadores do que serem artistas. Como consequência, surgiu uma desconexão entre arte e sentimentos, a emoção e a espiritualidade e por último o público. Isto é um assunto muito sério. Para comunicar eficazmente, e nós sabemos isso através da psicologia, tu deves ligar-te aos sentimentos e emoções das pessoas. Muita da arte actualmente procura comunicar coisas importantes sem emoção, é por isso que existe muito texto. Temos mesmo muitas coisas conceptuais que falham em ter alguma importância porque não tem efeito nas pessoas, e não faz efeito nas pessoas porque não tem em consideração os seus sentimentos, só o seu pensamento.
Para dar uma analogia: porque é que as pessoas continuam a fumar? Não é porque em cada maço há o sinal “Fumar Mata”! As pessoas continuam a fumar. A ideia intelectual “Fumar Mata” não ressoa. No entanto, pode ser que um dia elas notem alguma coisa, que estão com falta de ar e não podem brincar com os seus filhos, e isso toca-lhes emocionalmente. De repente, o sinal faz sentido. Elas querem parar! As suas emoções estão envolvidas. Porque é que fazemos isso? O mesmo acontece com as pessoas que não conseguem perder peso. Elas sabem que comer muito as vai fazer gordas, mas continuam a comer, porquê? Porque o acto de comer está conectado à emoção, faz sentir-nos melhor. Até ao momento em que ser magro faça sentido com o facto de se sentir bem, elas não vão parar. Com referencia à arte isto é crucial.
Actualmente, na arte contemporânea, o conceito é mais importante do que a obra de arte. Na realidade, a obra de arte, por vezes, acaba por ser uma ilustração para um conceito, enquanto se fala de um conceito sem actualmente visualizar a obra de arte. Uma imagem diz mil palavras não o contrário. Os artistas necessitam de retornar a compreenderem o seu papel com a sociedade, de uma forma muito dinâmica. É precisamente por existirem muitas ideias que a arte necessita de comunicar com o mundo actual, de que não podemos esquecer as emoções. Porque é o melhor veículo para se ter a certeza de que as ideias ressoam e têm impacto.

No presente contexto do mercado da arte quais são para ti as oportunidade na arte contemporânea?
As tendências e oportunidades no novo trabalho vai ser deixar de fazer arte para o mercado e deixar-se de comprar de artistas que fazem esse género de obra. Esta é uma oportunidade para começar a focar, regressar a artistas que têm obra há já muito tempo. Nas últimas duas décadas todos estavam entusiasmados com os artistas emergentes. Estes “artistas da moda” necessitam de se acalmar. Os mercados que se desmoronaram, como o da arte contemporânea Chinesa, são um exemplo disso. Conheço muitos artistas estabelecidos, em meio da carreira, em que as pessoas estavam interessadas nas suas obras quando eles tinhas, 22, 25 ou 28 anos. Depois, quando chegaram aos 35, mais ninguém estava interessado no seu trabalho. Mas eles estão a fazer as suas melhores obras agora. É realmente uma oportunidade importante para regressar e olhar para além das coisas ostensivamente atractivas e jovens. Necessitamos de parar e perguntar, quem é que realmente está agora a fazer um bom trabalho, quem é que continuou a fazer bons trabalhos mesmo quando ninguém prestava atenção ao que faziam. Alguns destes artistas têm uma oportunidade de ser ‘ouvidos’ outra vez, porque agora que uma grande parte do ruído foi-se embora nós podemos finalmente ouvir a música.

Published at Artecapital.net, Entrevista, 5 de Julho de 2009, Portugal © Valerie Kabov