Friday 16 March 2012

Review: Carlos Noronha Feio: Plant Life of the Pacific World

iMT Gallery
Carlos Noronha Feio, Plant Life of the Pacific World

J. G. Ballard, em Kingdom Come, apresenta-nos um pequeno conto sobre a distopia consumista, a vida na periferia das grandes cidades, o tédio, a identidade, os valores, ou ainda formas de controle e a imposição da cultura do medo. A aparente paz da tranquila comunidade de Brooklands, nos arredores de Londres, é interrompida quando um atirador dispara indiscriminadamente sobre a multidão de um centro comercial. A comunidade entre em estado de convulsão social quando a sua rotina semana é interrompida pelas consequências deste acto. Habituados a dividir o tempo entre o centro comercial e o estádio, onde joga a equipa local, ou entre momentos de violência sobre as minorias locais, eles vão agora defender com a sua condição humana o local de romaria eleito, o Metro-Centre. É em contextos ambíguos e exclusivos como estes que o artista Carlos Noronha Feio posiciona a sua prática. O agenciamento provocado pelo arquivo de imagens e consequente transformação técnica do significado visual, serve de base para a pesquisa desenvolvida sobre o livro que dá nome à exposição. Plant Life of the Pacific World é a primeira exposição individual do artista na iMT, em Londres.

Para esta primeira exposição Carlos Noronha Feio (1981, Lisboa) desenvolveu um simples estudo sobre botânica. Retirou as imagens de plantas do livro que dá nome à exposição e expôs essa investigação na forma de colagens fotográficas e impressões digitais sobre papel. Cada uma das reproduções está denominada de acordo com a classificação do livro do botânico Norte Americano Elmer Drew Merrill. Por exemplo Figure 123: Argemone mexicana, Figure 241: Hibiscus rosa-sinensis, ou espécimes ainda por catalogar como Uncatalogued Species 2. As 41 figuras ocupam de uma forma linear todo o espaço da galeria: sala de exposições, escritório e corredor de acesso?! Em Plant Life of the Pacific World os riscos foram reduzidos ao essencial – à intenção comunicada pela obra – e o ruído provocado pelo excesso de dispositivos (demasiadamente notado noutras exposições) é praticamente nulo.

Se tivermos em consideração a importância do visual em ambos os trabalhos no seu todo, estas novas edições podem de facto ser descritas como novas interpretações. Na realidade, as traduções para outras linguagens, dificultadas pela intraduzibilidade de certos jogos de palavras, também podem ser consideradas como reterritorializações. E apesar da superfície do papel não estar preenchida por completo, e apesar dos brancos e vazios nas formas, as superfícies sedutoras que interpretam a flora do Pacífico fascinam ao mesmo tempo que repelem. Quando somos atraídos para ver de perto as delicadas imagens, encontramo-nos perante uma outra “realidade”, a de imagens de explosões nucleares. No entanto, uma sensação insidiosa permanece para além da constatação deste facto, pois não nos é permitido conhecer o texto sobre o qual estas novas traduções são interpretadas.

As referências da exposição não estão confinadas ao gesto único do indício, e não é também uma referência à fonte literária. A escolha por uma particular 'citação' visual é uma decisão artística significante tomada por Noronha Feio. Vemos a imagem ser duplamente retirada do seu contexto original. Colocada numa nova situação. Adquire, portanto, um novo significado. As obras em Plant Life of the Pacific World encontram-se no espaço metamorfósico visual de símbolo de destruição, terror e poder – relacionadas com perpetuação de uma 'cultural do medo', conforme foi expresso pelo artista em conversa –, e de sumptuosa taxinomia exponencial da beleza derivada das plantas e flores do Pacífico. Como é o caso de Figure 48: Scaevola frutescens ou Figure 240: Hibiscus schizopetalus. É neste momento que ao invés de expor a norma sobre o assunto – poder ou beleza –, o artista intencionalmente escolhe uma terceira via alternativa. Infelizmente a não presença do original, impede a compreensão do processo de trabalho executado pelo artista. Como observadores de um processo de interpretação, e alteração de significados, é impossível fazer comparações sobre a qualidade da re-interpretação dada a ausência do objecto de discussão.

Originalmente publicado para uso militar, após a Segunda Grande Guerra, em 1945, o livro apresenta o estudo e levantamento dos espécimes de plantas e flores existente no Pacífico. Mais especificamente do local onde se realizariam inúmeros testes nucleares durante as décadas subsequentes. A orgânica das formas construídas por Noronha Feio deriva deste mesmo princípio mnemónico relativo ao imaginário das explosões nucleares e do elemento botânico normalmente associado às ilhas paradisíacas localizadas no Pacífico. Imagens e situações usualmente relacionadas e utilizadas pelos media quando querem associar simbolicamente o objecto do assunto com a noção de humano ou natural. O tópico da memória é central na construção da identidade, e, conjuntamente com a instabilidade do significado, este é um dos temas que tem vindo a ser explorado pelo artista.

Esta nova série de trabalhos já sofre uma depuração da linguagem que o artista vinha a desenvolver em instalações e intervenções anteriores. As peças estão mais cristalinas. Nomeadamente as que versam sobre a interferência da psicose na comunicação e construção cultural de significados, elemento básico que não se encontra expresso de forma directa em trabalhos anteriores, como Trying to Reach Point Zero (2009), ou de forma complementar, como em Snow wall, will you show me the way to restart it all? (2010). Finalmente ficamos a compreender ao que Noronha Feio veio, e ficamos em grande expectativa sobre como será aprofundado este assunto pelo artista. Pois, o artista procura isolar o 'então' – o que foi dito anteriormente - ao invés de cuidar da simultaneidade e imediatez do 'aqui' e 'agora' – do tempo presente.

A institucionalização da cultura do medo está, na sociedade contemporânea, mais atenta a questões como o 9/11 e a guerra contra o terrorismo; as convulsões sociais nos países árabes e a montanha-russa da economica mundial; a liberdade de acesso a conteúdos na internet, ou a possibilidade infinita da reprodução da vida humana. Ou, numa escala mais próxima, com a descaracterização dos centros nas cidades e vilas, e a emergência de simulacrum de lugares idílicos, utópicos; pontualmente preenchidos por uma ou outra obra de arte; circundado por franchises, como McDonalds ou Pizza Huts; lojas, como H&M, Prada, Gucci, IKEA ou outras grandes superfícies comerciais de fácil reprodução e propagação; enquanto apartamentos luxuosos delimitam este novo espaço “público” de encontro. Sim, é verdade que há uma alteração do significado, mas, atento ao sentido da 'institucionalização da cultura do medo', estas imagens de espaços são muito mais 'aqui' e 'agora' do que uma explosão atómica – esta, actualmente, implica mais a noção de poder. A imposição de um ideal sobre todos os outros por via da sua força destruidora. Neste contexto, as obras expostas em Carlos Noronha Feio, Plant Life of the Pacific World não têm um sentido revolucionário ou evolucionário, mas sim de involução.

A minha questão sobre as obras apresentadas, em particular, é onde é que ficou a poesis? perdeu-se na tradução?! Tecnicamente o resultado é agradável – mas aqui são quase todos os trabalhos artísticos de uma forma geral. O que acontecerá se pusermos um espelho de frente para a demonstração de poder? conseguimos demonstrar a sua predicação actual, ou a de quem está a agenciar a imagem reflectida no espelho?! Se existe uma interpretação e perca/alteração do significado original, onde é que está o índice que nos permita compreender a poesia da tradução visual apresentada por Noronha Feio! Se o artista é o produtor, a obra o agenciamento e nós as testemunhas críticas, nas relações de poder – como colocaria H. Arendt – onde está o sofredor? O tempo da obra é uma ilusão, uma mentira sobre o que foi dito anteriormente.

A exposição Plant Life of the Pacific World está patente na iMT Gallery (Londres) até 8 de Abril de 2012.

Imagens: Figure 123 Argemone mexicana (Photographic Collage on paper); Figure 240 Hibiscus schizopetalus (Photographic Collage on paper). © Carlos Noronha Feio 2012

Shorter version published at Molduras: as artes plásticas na antena 2: Carlos Noronha Feio - Plant Life of the Pacific World.

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