Monday 22 July 2013

Review: Mathew Weir

Alison Jacques Gallery
Mathew Weir

Mathew Weir, Jar (oil on canvas mounted on board, 51x37cm), 2011.
Courtesy of Alison Jacques Gallery
Qual é o sujeito na obra de Mathew Wier quando tudo é visto e revisto? O que é que o corpo de trabalho, de Wier, observa quando aceitamos, reconhecemos e incorporamos o poder artificial da arte, o ersatz! Ao contrário do realizado em exposições anteriores, esta exposição na Alison Jacques Gallery, até ao dia 3 de Agosto, apresenta uma única pequena escultura, em bronze, a acompanhar as pinturas. Nove novas pinturas, óleo sobre tela de dimensões variadas, de Mathew Wier (n. 1977), onde o artista britânico questiona as noções de racismo, opressão, violência, conflitos e morte, enquanto, ao adicionar a variável tempo, desafia o público a reconsiderar a forma como interpreta a representação original dos objectos representados. As figuras observadas, em terracota ou cerâmica, reminiscentes da Alemanha do século XIX ou da era Victoriana, respectivamente, que servem de modelo para as pinturas, são, na realidade, e se continuarmos na dimensão progressiva do século XIX, a exploração de uma possibilidade de um desfecho.

Estas figuras sobre os momentos da vida diária com cores suaves e linhas curvas, esculturas sobre o amor cortês e de encontros amorosos, da natureza, do entretenimento lírico e da juventude são concebidas entre o fabrico automático e o laboratório artesanal. Porém, a modalidade, em particular, em como a ideia, em si, é constituída na observação, está em relacionar formas puras com formas compostas por matérias extremamente complexas e sobrepostas entre si. Através das pinturas, Weir cria narrativas complexas com uma requintada, mas, mesmo assim, sensação sarcástica – ou será melancólica, conforme dá a conhecer uma das pinturas, Meloncholy (2012), no que parece ser uma miúda negra a trincar uma fatia de melancia suculenta e refrescante – ao transferir para o tempo contemporâneo e, ao reapresentar objectos históricos e domésticos em contextos bizarros. As pinturas são em simultâneo elegantes e mordazes, provocam um diálogo cheio de imagens evasivas sobre o fluxo e a multiplicidade heterogénea da realidade, camuflada na linguagem pictórica e pelos gestos laboratoriais do artista. Em Gathering Evidence (2012) Weir compõe uma narrativa que combina laboratorialmente elementos retirados de distintos tempos: imagens de paisagens – como cascatas – e de naturezas mortas recolhidas pelo artista, e, posteriormente, usadas como modelo e matiz na construção da envolvência lírica da pintura, alinham-se em redor da imagem da figura em cerâmica – duas crianças de diferente sexo a entreterem-se levianamente num baloiço. A sensação atribuída à combinação do tempo de contemplação com o tempo de contemplação do processo dá uma nova configuração ao significado das pinturas como objectos observados. Ao incorporar o passado no presente Wier altera a significação dos objectos observados e a natureza da significação em sujeito e significado. O sujeito é revelado no momento quando a estrutura da obra é indistinguível dos efeitos trazidos pela obra ao nível do fetiche ou da iconografia reflectida pelos objectos.

Mathew Weir, Gathering Evidence (oil on canvas mounted on board, 60.5x45.5cm), 2012. Courtesy of Alison Jacques Gallery; Jean-Honoré Fragonard, The Swing (oil on canvas, 81x64.2cm), 1767. Courtesy of The Wallace Collection.

O que é interessante é que, embora as pinturas se parecem com a iconografia concebida e desenvolvida durante o Rococó, no século XVIII, por Jean-Antoine Watteau (1684-1721) ou Jean-Honoré Fragonard (1732-1806), ao simbolizarem a elegância do período, enquanto se assemelham a tantas representações frívolas, no sentido de futilidade da vida, que caracterizavam de certo modo o Rococó, o facto de exibirem uma melancolia expõem a pureza da ideia. As formas complexas e sobrepostas entre si desaparecem sob a contingência do material. O corpo disforme da jovem no baloiço, em O Baloiço (c. 1767), de Fragonard, sobrepõem-se à habilidade deste em combinar licença erótica – representado tanto no jovem amante excitado com o vislumbrar das pernas da sua amada, como também pela figura que parece estar a representar o marido ou um membro da igreja a empurrar o baloiço – com um sentimento visionário pela natureza; os ornamentos cristãos, os traços raciais, a simbologia sexual dúbia, ou, ainda, a desmedida expansão do tempo, afectos decorativos, e um kitsch sublime são efeitos contingentes. As pinturas de Mathew Weir existem mais no sentido das formas distorcidas e exageradas de John Currin (1962), concebidas durante um tempo distinto ao do de Watteau e Fragonard. Elas captam o poder da inocência e a força do conhecimento; a consciência e experiências únicas de um sistema em expansão e da extensão ocupada pelo observador.

O conjunto de trabalhos trazidos para esta exposição de Mathew Weir, como que vagueia por padrões de intervenção orgânica traduzidos por um largo e abrangente conjunto de referências visuais, culturais e literárias da sociedade contemporânea. Os objectos e as imagens são usurpadas das suas funções significativas que reportam a um determinado tempo de contemplação do objecto observado, e geram um profundo efeito narrativo constituído por uma pureza invariante, ou o que o filósofo francês, Alain Badiou, denomina, em Five Lessons on Wagner (2010), como uma coesão imanente, que denomina um outro tempo, o da contemplação da obra como sujeito. O qual contrasta com os efeitos usados pelos antecessores, bem como antecedentes históricos. Os atributos transmutam. Self Portrait (dead) (2012) e Death and the Abbot (2013) passam, por exemplo, a ser um significante universal sobre o que o artista considera “desconfortável e inexplicável, quer se trate de horrores históricos sobre opressão e racismo ou a estranha libertação ou fuga do suicídio.” Representam um daqueles momentos de reabertura infinita, um detalhe único naquilo que é a realidade social contemporânea. A intenção é explorar e levantar questões, conclui Weir, em entrevista publicada, em 2011, na revista online Dazed Digital. Uma inquirição à melancolia, como a perda do objecto da causa do desejo.

Mathew Weir, Self Portrait (dead) (oil on canvas mounted on board, 29x22cm), 2012 and Death and the Abbot (oil on canvas mounted on board, 90x60cm), 2013. Courtesy of Alison Jacques Gallery.

O assunto sobre o qual a obra de Mathew Weir observa transporta-nos para a história do presente ao apresentar imagens de objectos e eventos da história do passado, de forma a percebermos se estamos, por um lado, a progredir para um tempo mais natural, mais cultural (bárbaro) ou mais civilizacional, ou, por outro lado, se estamos, irremediavelmente, presos numa posição exígua e conveniente. As pinturas apresentadas, como sujeitos a observar objectos a representar um real artificial, substitutos da realidade, questionam se estamos a aprender com a história dos eventos do presente, enquanto reportamos e referimos momentos e eventos históricos do passado, de forma a saber se o ‘real’ é real e quando o ‘real’ é real. Porque, neste estado subjectivo, tanto a nossa realidade individual como a nossa realidade social, são ambas construídas e determinadas como uma ilusão do real desejado. E, estamos perfeitamente conscientes desta diferença! Nesta realidade temos acesso a tudo, mas, nesta realidade, não podemos ter esse todo. Os objectos observados, tanto as figuras observadas como as pinturas não têm qualquer significado. O observador, o sujeito, é aquele o qual atribui o significado à coisa observada, i.e. as imagens dos objectos, porque as coisas têm um significado em si mesmas, um significado universal.
Apesar de Wier utilizar um meio comunicativo tradicional e fora de moda, como é a pintura, substituído por outros meios de expressão mais ‘reais’, como são a fotografia e o vídeo, esta abrange muito mais terreno, com uma espécie de seriedade, profundidade e verbalidade que a torna extremamente atraente.

A exposição individual de Mathew Weir, na Alison Jacques Gallery (Londres), está patente até ao dia 3 de Agosto de 2013.

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