Monday 1 June 2009

Serralves, uma preocupação socioeconómica

Director do Museu, João Fernandes faz o balanço de uma instituição com dez anos de actividade.

«Para o museu, a primeira prioridade é trabalhar com obras de arte que existem, com obras de arte que vão ser produzidas, quer através da exposição, quer através da colecção, quer através da reflexão e, para trabalhar com obras de arte, temos de trabalhar com os artistas», responde João Fernandes, director do Museu de Serralves (Porto), à pergunta sobre o papel dos museus na sociedade contemporânea, acrescentando que «Serralves trabalha com fundos públicos, trabalha com o objectivo de um museu de arte contemporânea, o primeiro em Portugal, em que o trabalho com a comunidade é importante e deve acrescentar comunidade à comunidade».

A comunidade é um espaço comum de conflito de escolhas distintas. «Quando entramos na questão do universo da recepção e da circulação das obras de arte, há outras questões como o mercado ou a sociologia da recepção. Existe todo um sistema de circulação das obras de arte, no qual o museu é uma das instâncias.» Dentro deste campo de forças relacionadas, o museu procura o seu território, o espaço classificativo da sua posição num contexto museológico.

Conforme é defendido pelo director do museu do Porto, «Serralves é, por um lado, um caso pioneiro. Mesmo no contexto europeu é um case-study, porque é das poucas instituições na Europa onde há uma relação equilibrada entre o investimento estatal e o investimento privado, sustentada pelos rendimentos que a instituição gera por si própria, sem prejuízo para a programação expositiva.» É um caso paradigmático em que, ao contrário de outras instituições de fundos públicos, o Conselho de Administração não é remunerado.

Por outro lado, «o museu de arte contemporânea oferece aos públicos um confronto entre aquilo que eles não conhecem e aquilo que eles já reconhecem. A nível programático fazemos exposições com nomes celebrados ou reconhecidos, mas, para nós, o relevante é poder apresentar facetas menos conhecidas dos seus trabalhos,» expressa João Fernandes. Ou seja, a obra de arte responde ao que a comunidade quer dela, mas existem outras peças de arte que questionam as escolhas da comunidade.

Na dimensão social existe uma experiência ausente na sociedade portuguesa. Culturalmente, não existe uma linha social suficientemente abundante para a construção de uma memória colectiva comum. A nível fiscal as doações são pouco vantajosas. «Uma empresa tem maiores deduções fiscais na doação de valores ou obras de arte a museus do que um particular. Por exemplo, se um artista quiser oferecer uma obra de arte a um museu, tem de pagar imposto sobre o valor da obra». É um facto significativo, uma empresa ter mais vantagens do que um indivíduo. Culturalmente, esta riqueza de ser generoso para com a comunidade que o acolheu também é inexistente na sociedade portuguesa.

Num momento de maior contenção financeira, a exposição Serralves 2009 – a Colecção, que inaugurou oficialmente ontem, dia 29 de Maio, é exclusivamente composta por peças da Colecção de Serralves. Durante este fim-de-semana, e conjuntamente às obras de arte adquiridas durante os últimos dez anos pela instituição, Serralves apresenta a 6ª edição do ‘Serralves em Festa’.

Published at NS'177/IN#073, Mercado da arte (71), (Diário de Notícias N.º 51189 e Jornal de Notícias N.º 363/121), 30 de Maio de 2009 Portugal © Paula Rego, Possessão I, 2004 Courtesy: Museu de Serralves

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