Monday 28 September 2009

Arte com gosto

Processos criativos da arte são semelhantes aos da produção de um vinho ou de uma experiência gastronómica

Uma excelente refeição prepara-se, apresenta-se e consome-se. Prevalece unicamente como memória de uma experiência. É efémera. Mas não é só isso! É também um universo de sensações, de disciplina e perfeccionismo natural atravessado de forma singular, e durante esse trajecto ter alguém com quem compartilhar.

Dentro do espaço museológico e galerístico, o casal de chefs/artistas Doug Fitch e Mimi Oka, ou o artista Rirkrit Tiravanija, empregam a cozinha, os alimentos e o acto de comer como um meio de representação plástica e conceptual. Obras de arte que exploram o papel social do artista na sociedade contemporânea. Um relacionamento sobre o qual, o crítico e curador francês, Nicolas Bourriaud, no início do século, descreveu como Estética Relacional.

Muitos dos artistas contemporâneos, como John Baldessari, Paul McCarthy, Ernesto Neto, Tatsumi Orimoto ou Sam Taylor-Wood seguem a tradição plástica histórica sobre o acto gastronómico, representada em obras como A Última Ceia (1498), de Leonardo da Vinci, os retratos concebidos por Giuseppe Arcimboldo (século XVI), Mulher a Fritar Ovos (1618) de Velázquez, Os Comedores de Batatas (1885), de Vincent van Gogh, ou algumas peças de Salvador Dali e de Marcel Broodthaers (século vinte).

Em 2002, inscrito no programa Capital Europeia da Cultura, o Centro de Arte de Salamanca (Espanha) apresentou a exposição colectiva Comer o no comer, a qual contou com a participação da artista Ana Pérez-Quiroga. Um banquete estético onde as relações entre a arte e a comida eram o prato principal. Em 2007, Ferran Adrià, chef do restaurante elBulli (Espanha), foi convidado para participar na Documenta 12. Comida para pensar, Pensar sobre el comer, coordenado pelo artista Richard Hamilton e pelo director da Tate Modern (Londres), Vicente Todolí, comenta sobre o universo criativo de Ferran Adrià, a cozinha de vanguarda e a sua relação com o mundo da arte através daquele festival germânico (ao fim de cem dias de festival, em 2007, a Documenta tinha recebido mais de 750 mil visitantes, dos quais um terço vindos de fora da Alemanha).

Herdeira de duas experiência de origem nacional – o festival gastronómico internacional itinerante A Arte de Ser Português, e a 2ª edição do Comidas do Mundo – a trienal do Vale do Tejo, organizada pela associação nada na manga, inscreve-se neste domínio. Sobre a temática estritamente vinícola, o evento é a plataforma ideal para abordar a obra de um grupo alargado de criadores com afinidades electivas, mesmo quando operam em áreas distintas e sem contacto aparente, conforme esclarece André de Quiroga, conde de Rocamor, responsável pela área de gastronomia e vinhos da trienal.

Como na produção de um vinho ou na confecção de uma experiência gastronómica, também a arte percorre os mesmos processos criativos: conceptualização de uma ideia; manipulação dos materiais (solos e castas, obtenção de sabor, etc.); e a criação de uma obra cujo resultado último é a sublimação e a estimulação dos sentidos de quem a prova (apreciação e valorização) – o «eu gosto» ou o «eu não gosto», ou seja, a educação do gosto individual.

Published at NS'194/IN#090, Mercado da arte (70), (Diário de Notícias N.º 51308 e Jornal de Notícias N.º 117/122), 26 de Setembro de 2009 Portugal Courtesy: Actar-D

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