Monday 7 September 2009

O valor relativo das cópias

A importância da autenticidade permite estimar um valor económico no mercado.

O debate sobre a autenticidade de uma peça de arte é um dos mais antigos no universo artístico. A questão sobre a autenticidade de uma obra de arte (de indisputável origem, a facilidade de identificação aliada ao seu estado de preservação) faz a diferença no capital acumulado por uma peça (económico, social, cultural e estético). Esta importância permite estimar um valor económico relativo no mercado.

No entanto, a tendência humana para idolatrar a realidade é de tal forma extrema que faz com que, ao invés, se acabe por amar as suas cópias, o falso, o artificial, as simulações concebidas à imagem do real. Inseridos num paradigma económico, procuramos substituir o real pelo objecto percepcionado como de maior capacidade para reproduzir a realidade, ou seja, a substituição é consumada pelo objecto com maior similaridade à experiência percebida do autêntico.

Sejam peças referidas como da antiguidade clássica, óleos concebidos durante o renascimento em ateliers de artistas ou os quase vinte mil objectos de origem indefinível arquivados no Museu de Belas Artes do Vietname, entretanto, desde os inícios do século XIX este diálogo alargou-se também para a fotografia. Vários exemplos sobressaem na história recente da fotografia: as imagens digitalmente manipuladas por Edgar Martins, para o diário The New York Times, sobre o quotidiano norte americano; as fotografias encenadas por Mathew Brady e Alexander Gardner, da Guerra Civil Americana, entre 1861 e 1865; a veracidade da morte na icónica imagem de Robert Capa A Morte de Um Miliciano, captada na Guerra da Civil de Espanha, em 1936; ou a imagem «tratada» do soldado do Exército Vermelho a hastear a bandeira soviética sobre o Reichstag, na Alemanha (1945), de Yevgeny Khaldei, não são só representações de momentos relacionados com morte, conflitos ou depressões sociais, mas são também reflexões onde a autenticidade de uma imagem reproduzida mecanicamente é questionada.

O facto é de que devido á precisão óptica na qual a fotografia reflecte a forma como vemos o mundo, o fotógrafo, por natureza, promete dizer a verdade. Contudo, ao existir a possibilidade de encenação ou idealização de uma imagem fotográfica esta destitui-a de qualquer fundamentação histórica sobre a qual deveria significar, e aqui passa para o domínio da reprodução, da ilusão. A revigorante e incontestável realidade de acontecimentos e episódios da história da humanidade registada de forma mecânica permanentemente serve de antónimo às pinceladas e interpretações de um artista.

Published at NS'191/IN#087, Mercado da arte (62), (Diário de Notícias N.º 51287 e Jornal de Notícias N.º 96/122), 5 de Setembro de 2009 Portugal © Edgar Martins. Um quarto da 14 Baldwin Farms South, em Greenwhic, Conn., como foi originalmente fotografado por Edgar Martins (imagem da esquerda) e a imagem alterada digitalmente: Untitled, da série «Ruin of the Gilded Age» (imagem da direita), 2008

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