Monday 4 January 2010

A arte contemporânea é um clube, um estilo de vida

Como devem as instituições assumir e exercer a sua responsabilidade para com a sociedade em geral?

A década de noventa do século passado representou um enorme crescimento económico a nível mundial. Existia uma grande quantidade de pessoas com liquidez financeiro e de outros tipos de riqueza a querer comprar arte. Por todo o lado surgiam mostras, exposições e eventos bienais sobre arte contemporânea. Durante a última década, outra forma de relacionamento surgiu no mercado da arte, complementar aos mercados alternativos e às feiras de arte por todo o mundo: quando uma pessoa comprava obras de arte estava também a comprar o ingresso para todos estas manifestações pontuais – ao adquirir arte contemporânea fazemos parte de um clube, pertencemos a uma comunidade global com um estilo de vida organizado em função do objecto de arte como elemento capital de um mundo.

À medida que a globalização avança, a prática de desenvolvimento cultural ao nível da comunidade é cada vez mais reconhecida como um poderoso meio de despertar e mobilizar alternativas aos valores culturais impostos. Em 2009, durante um período economicamente pouco favorável, muitos analistas do mercado, e neste caso particular do mercado artístico, colocaram questões sobre as causas da crise financeira, mas também sobre as suas consequências. Especialmente relevante é a questão sobre como devem as instituições orientar e dirigir as suas atenções. Nomeadamente sobre a gestão no mercado artístico como uma forma de estudos culturais, onde existem três obrigações a cumprir: o propósito e a missão; ser activo e lucrativo; e tem de assumir e exercer a sua responsabilidade para com a sociedade em geral. Os três apontamentos apresentados são um perspectiva sobre 2010, enquanto procuram responder a esta questão.

A curto prazo, o mercado da arte apresentou uma série de consequências na forma de: fragmentação e disseminação das feiras de arte em eventos mais pequenos, mais específicos e especializados; despedimentos em espaços comerciais e públicos de exposição; redução geral do nível dos preços (entre trinta a quarenta por cento); encerramento de galerias; e a incapacidade dos fundos de investimentos transformarem a arte numa mais valia económica (os valores estão substancialmente mais baixos, podem valer um terço do preço de aquisição).

Novas atitudes e atenções
Numa atitude distinta da que nos tinha habituado nos último anos o Centro de Arte Moderna José Azeredo Perdigão (CAMJAP), da Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa), vai oferecer uma nova perspectiva programática sobre o seu papel na sociedade contemporânea portuguesa. A nomeação de Isabel Carlos para directora do Centro traz para esta instituição uma linha de orientação diferente (uma nova geração de artistas como Vasco Araújo e Ana Vidigal, ou as irmãs britânicas Jane e Louise Wilson), de modo a reconquistar a sua importância no campo das artes plásticas em Portugal, e a atenção da comunidade artística ao optar por uma programação mais atenta à sua própria particularidade de referência no universo artístico. Para além do CAMJAP, também o Museu do Chiado (Helena Barranha foi nomeada como nova directora para o Museu Nacional de Arte Contemporânea) vai sofrer do mesmo efeito.

Exposição dos artistas
Entre comprar discriminadamente (porque não se quer perder nada) e ter um foco (comprar o que realmente se deseja), uma colecção normalmente apresenta traços e característica definidas por um curador, em sintonia com o coleccionador. Enquanto desenvolve o trabalho de comissariado na fundação constituída pela sociedade de advogados PLMJ (Lisboa) e no Centro de Artes Visuais (Coimbra), Miguel Amado é dos curadores que mais tem feito pela projecção internacional do mercado português durante estes últimos anos: depois de estar presente, com Filipa Oliveira, em Outubro, na feira de arte Frieze (Londres), com um projecto sobre a economia de mercado, em Fevereiro ambos participam com outro projecto na feira de arte Just Madrid; em Março, inaugura a exposição Sem Rede, a primeira antologia dedicada à artista Joana Vasconcelos, no Museu Berardo; e em Junho, no Museu da Cidade apresenta uma plataforma discursiva sobre a «filosofia do dinheiro».

Formação de públicos
Ocasionalmente, por todo o país, surgem organizações artísticas independentes sem fins lucrativos, activamente à procura de formas de aumentar a participação nas artes. Há sempre um espaço que perdura para além da efemeridade da moda e das tendências ao conseguir formar e fidelizar novos públicos. Se o espaço Galeria Zé dos Bois é o legítimo herdeiro do espírito da década de noventa do século passado, e com 15 anos vê o seu trabalho reconhecido institucionalmente, para a década que agora termina o espaço Carpe Diem Arte e Pesquisa aparece como o seu representante. Criado em 2009, o Carpe Diem é um espaço com uma programação incisiva ao reunir e disseminar na comunidade local parcerias afirmativas da transformação da comunidade, através obras de artistas contemporâneos, como Dominique Gonzalez-Foerster, Fernando Sánchez Castillo, Nuno Sousa Vieira ou João Tabarra, por exemplo.

Published at NS'208/IN#104, Mercado da Arte (62), (Diário de Notícias N.º 51406 e Jornal de Notícias N.º 215/122), 2 de Janeiro de 2010 Portugal Ana Vidigal, Pensas que o sexo terá importância?, 2009 e Fernando Sánchez Castillo, Dialéctica da Cortesia, 2009 Courtesy Galeria 111; DMF, Lisboa (para o Coração Independente de Joana Vasconcelos); Carpe Diem Arte e Pesquisa e Fernando Piçarra

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