Monday 18 January 2010

O letreiro de Auschwitz

Debate sobre a apresentação de testemunhos e preservação de provas.

Com impacto global mas de âmbito local, o recente roubo na Polónia de uma relíquia do Holocausto – o letreiro Arbeit Macht Frei (O Trabalho Liberta) à entrada do campo de concentração de Auchwitz I – veio colocar uma questão sobre a preservação e a apresentação da nossa memória: como apresentar «testemunhos» e preservar «provas» a uma sociedade cada vez mais interactiva e conexa com o universo virtual?

A facilidade crescente da sociedade em aceder à informação e contactar com a «realidade», em particular na nova geração de públicos, está a levar esses públicos a escolherem as novas formas de comunicação digital, como a internet, em detrimento dos meios mais tradicionais, como os jornais, revistas ou livros, apesar de continuarem a apresentar um grande interesse pelos conteúdos televisivos e continuarem a alimentarem as interacções sociais no mundo «real».

Um estudo realizado recentemente pela empresa de pesquisa de mercado Forrester sobre os padrões de consumo dos media por parte dos jovens europeus, indica que estes passam, em média, 10,3 horas por semana a ver televisão e 9,1 horas a fazer uso pessoal da internet (excluído o trabalho relacionado com a escola ou a profissão). Todavia, só raramente é que têm contacto com um jornal.

O campo de concentração de Auschwitz-Birkenau é actualmente um museu da memória da humanidade atento à estrutura criada pela Alemanha nazi para o exercício do poder sobre os outros: judeus, ciganos, homossexuais ou prisioneiros de guerra, por exemplo.

Se, por um lado, a substituição de um sinal por um outro concebido posteriormente veio possibilitar o potencial de recriar um momento da história com recurso a uma cópia e, por conseguinte, levantar a questão sobre qual foi a real fundamento do Holocausto, por outro, permite também questionar sobre o objecto de atenção, nomeadamente a preservação de memórias – O Trabalho Liberta – sobre o sistema político e a execução da ideologia conhecida por nacional-socialismo alemão, por oposição ao conhecimento actual geral dessa realidade – as atrocidades cometidas no decurso do exercício do poder. Por outro ainda, reflectir sobre esse momento já extensivamente documentado – o Holocausto – em livros de história, em testemunhos e em relatos na primeira pessoa, leva-nos a interrogar-nos sobre a capacidade de os objectos com um tempo de vida limitado, como são os registos, as roupas, os cabelos, os pertences dos milhões que padeceram, existirem para além da sua qualidade física, se tivermos em consideração que mesmo a nova geração de públicos dá grande importância à interacção com o mundo real.

Published at NS'210/IN#106, Mercado da Arte (62), (Diário de Notícias N.º 51420 e Jornal de Notícias N.º 229/122), 16 de Janeiro de 2010. Portugal Cristina Nuñez, To Hell and Back, on Jewish Holocaust Survivors, 1995 Courtesy the Artist

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