Tuesday 1 October 2013

Review: Li Songsong: We Have Betrayed The Revolution

Pace London
Li Songsong: We Have Betrayed The Revolution

Li Songsong, Big Girls (280 x 250 cm, Oil on aluminum panel), 2013
© 2013 Li Songsong. © 2013 Pace Gallery, All Rights Reserved.
Li Songsong, em Nós Traímos A Revolução [We Have Betrayed The Revolution], revela-nos a presente situação ambígua da sociedade chinesa, em particular, enquanto nos transporta para o contexto globalizante da sociedade contemporânea. O mais recente corpo de trabalho do artista Chinês revela-nos e imiscui-se num duplo agenciamento. Se, a um nível, as pinturas apresentadas pelo artista, na exposição na Pace London, estão centradas na essência da técnica e do processo artístico; a um outro nível, o artista apresenta fragmentos de uma realidade social construída ao longo do tempo, e modificada de acordo com os desejos e intenções das estruturas de poder imperantes. Os retratos de figuras e eventos históricos, que formam e existem na consciência colectiva chinesa, são retirados do seu contexto inicial e reescritos de uma forma e modo distinto. Por exemplo, apesar de os trabalhos de Songsong retratarem o que é facilmente identificado com e de conteúdo e cariz político, em We Have Betrayed The Revolution (2012) [Nós Traímos a Revolução] ou Small Reunions (2013) [Pequenas Reuniões], a ênfase dos mesmos não é sobre os assuntos políticos.

Esta conotação política na obra de Li Songsong resiste a qualquer interpretação superficial implícita no olhar subjectivo do espectador, pois está escondida nas pinturas, sob a densa consistência da superfície cromática. Assim, ao compor-mos a imagem sugerida pelo artista num contexto mais globalizante, as pinturas estabelecem associações que permitem uma comunicação entre modos de ser e ver que são sincronicamente díspares e similares. Simultaneamente revelam e ocultam estruturas imperativas: uma relacionada com a experiência quotidiana e a reflecção sobre uma realidade especifica – política ou histórica; a outra, acerca da apropriação da imagem fotográfica como fonte para a representação da realidade através da pintura; outra, ainda, sobre a transformação da linguagem como uma forma operativa de informação sobre realidades especificas.
Li Songsong, Guests Are All Welcomed (120 x 120 cm, Oil on canvas), 2013.
© 2013 Li Songsong. © 2013 Pace Gallery, All Rights Reserved.
Conforma expressa o crítico e ensaísta Demetrio Paparoni, no catálogo que acompanha a exposição: “a análise da linguagem não é unicamente uma operação formal para Li Songsong, mas um passo necessário para apreender a complexidade da estrutura social e política que a rodeia.” Para Li Songsong a realidade é compreensível unicamente como linguagem – esta existe em diversas formas e feitios: escrita, oral, gestual, corporal, etc. Neste sentido, as palavras que dão a função no título da exposição e são, também, usadas numa das pinturas, ‘Trair’ e ‘Revolução’, implicam na sua essência descontinuidade. Encerram a aplicação contraditória de um movimento provocado com a intensão de revelar e alterar a direcção das estruturas vigentes, para um sentido distinto do actual – podemos numa primeira instância considerar esta acção um acto essencial no e para o processo evolutivo. Contudo, quando usadas em simultâneo na mesma frase, tanto ‘trair’, como verbo, e ‘revolução’, como sujeito, implicam incoerência no resultado dos actos sucessivos, por anularem em si mesmas a acção interposta pelo outro vocábulo. A intenção de Songsong é o de apresentar uma narrativa que represente, desta forma, a essência, as ambiguidades, e as mudanças na memória histórica na sucessão temporal. Quer de uma forma técnica, espacial ou temporal. Questões semânticas à parte, vamos ao que realmente interessa perceber na realidade que o artista pretende sublinhar.

Apesar de Li Songsong também começar por apropriar-se de imagens encontradas em jornais, revistas ou na internet, como muitos outros artistas contemporâneos – Carlos Correia (1975, Lisboa), Glenn Brown (1966, Reino Unido), Vik Muniz (1961, Brasil), Cindy Sherman (1954, EUA), Richard Prince (1940, Panamá) ou Andy Warhol (1928 – 1987, EUA) –, posteriormente, ele desconstrói a imagem e reconstrói-a, secção a secção, através de camadas de tinta sobre tela ou painéis em alumínio. Ainda que inicialmente o artista não faça distinção entre as imagens escolhidas, existe uma tendência em usar imagens nas quais as pessoas ou os eventos retratados têm uma influência histórica na construção da sociedade Chinesa: Guests Are All Welcomed (2013) – o sujeito do quadro é Neil Heywood, um empresário inglês que trabalhou na China, e era próximo de Bo Xilai, Secretário do Partido Comunista Chinês e Ministro de Comércio – ou It’s a Pity You aren’t Interested in Anything Else (2013) – relembra uma das imagens usadas pela marca publicitária, Calvin Klein, com uma presença prevalente na China. De facto, convém salientar que algumas das imagens usadas anteriormente pelo artista não são de origem Chinesa: Cuban Sugar (2006), Khmer Rouge (2006) ou Six Men (2008), mas mantêm essa relação de proximidade com a memória colectiva chinesa – a primeira está relacionadas com Cuba, a segunda, com o Partido Comunista Cambojano, e, a última, com retrata os pilotos Kamikazes. A veicular a presença política, existem, por exemplo, June (2012) – baseada numa fotografia tirada duas semanas após os eventos da Praça de Tiananmen, em 1989, e retracta Deng Xiaoping com os dois oficiais que reprimiram a revolta estudantil – ou Small Reunions (2013) – retracta o filho de Mao Zedong (Mao Tse-tung), a sua esposa e o filho de ambos, Mao Xinyu, junto do corpo do famoso revolucionário e político Chinês.

Ao invés de representar a imagem original na sua totalidade, Li Songsong seleciona a zona que o afecta mais. Depois, secção a secção, do centro para a periferia, ou vice-versa, começa a compor e construir fragmentos da zona selecionada da imagem com diferentes camadas de cor. Concentra-se numa área de cada vez, e só posteriormente, quando o trabalho está concluído é que a obra revela-se na sua totalidade. As secções geométricas sequencialmente pintadas não estão fisicamente próximas umas das outras, o artista assegura-se de que as cores de cada secção não interferem com a secção adjacente e desvirtuem a composição interna da pintura. O tom, a cor, a textura e a direcção das pinceladas criam essa descontinuidade. “Paradoxicamente, esta descontinuidade tende tanto a desorientar o observador como a conceber harmonia ao trabalho quando concluído, o qual é o resultado de um método predeterminado e não consequência do acaso.”
© 2013 Pace Gallery, All Rights Reserved.

As ambíguas obras que Li Songsong (1973, Pequim) apresenta na exposição individual, na Pace London, até 9 de Novembro de 2013, são uma intensa composição sinfónica de cores sobre a realidade política chinesa, fragmentos retirados da história de um povo, da memória um colectiva, a um nível; a um outro nível, inscrevem-se no usual recurso e a prática, por parte dos pintores, de uma forma quase quotidiana, da técnica de captação fotográfica de imagens para conceber, compor e criar as suas obras; enquanto, ainda, num outro nível, revelam a incerteza da realidade, da verdade construída.

Published at Molduras: as artes plásticas na Antena 2: Li Songsong: We Have Betrayed The Revolution

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