Royal Academy of Arts (London)
David Hockney, A Bigger Picture
Desde o primeiro momento - em que nos encontramos rodeados pela mesma paisagem reproduzida em quatro momentos distintos (Thixendale Trees, Summer, Autumn, Winter, and Spring) - esta é uma exposição sobre territorialização, sobre branding. Com A Bigger Picture, David Hockney criou um nome e uma imagem única para um produto na mente dos observadores - a paisagem de Yorkshire -, essensialmente através de uma exposição com um tema consistente. A sua trademark.
Andy Warhol com A Fábrica (The Factory) e a reprodução de imagens de "figuras" do espaço público, definiu todo um movimento artístico. Durante a década de sessenta Hockney também marcou a Arte Pop. Branding permite efectuar a diferenciação de um produto ou serviço e ajudar a definir um determinado posicionamento através da atribuição de uma marca e/ou nome identificativo. Por exemplo, Damien Hirst com os animais preservados em formaldeído, as borloletas e os "Spot Paintings"; Takashi Murakami com as flores sorridentes, ícons, cogumelos, iconografia Budista; Joana Vasconcelos com objectos do quotidiano Português, como cães de loiça, rendas ou os Corações de Viana. Todos este artistas já deixaram a sua pequena marca (Trademark) na arte contemporânea ao investir nos "objectos" do quotidiano, o seu elemento identificativo. O território que cada qual ocupa no imaginário do observador, do cidadão comum foi construido com a "blue-print" utlizada por Warhol (processo muito antes também utilizado por Picasso). Hockney ao tecnicamente - através de um instrumento de trabalho, máquina fotográfica, iPad ou Video HD capta uma realidade - o espaço rural de uma região de Inglaterra - e reproduz, se necessário em série, essa realidade de forma distinta. Ele está a deixar a sua marca no imaginário das pessoas sobre a realidade da paisagem de Yorkshire.
A exposição está concentrada no corpo de trabalho executado por Hockney sobre paisagens, sobre lugares específicos: Thixendale Trees, Nichols Canyon, A Closer Gran Canyon, Woldgate Woods, Rocky Mountains, Flight into Italy-Swiss Landscape, Molholland Drive, Pearblossom Highway, Yorkshire Landscapes e The Sermon on the Mount. De tal forma é importante mostrar a história, legitimar o discurso do artista e da sua marca que uma das obras (Sala 2) é uma foto cópia (o original ficou nos EUA). O original é irrelevante para a "Bigger Picture" da exposição - "É um Hockney!" por oposição a "É uma paisagem". A questão da aura na arte fica para segundo plano.
Mais do que tudo esta tinha de ser uma exposição de índole techne por oposição a poiesis. A primeia opção permite a propriedade, a sua consequente reproductividade, permite a propagação da aceitação do atributo derivado da predicação - "É um Hockney!" - ao transformar o sensível commumente aceite - "É uma paisagem".
Noami Klein, em No Logo (2000) escreve «The definition of trademark in U.S. law is "any word, name, symbol, or device, or combination thereof, used ... to identify and distinguish goods from those manufactured or sold by others." Many alleged violators of copyright are not trying to sell a comparable good or pass themselves off as the real thing. As branding becomes more expansionist, however, a competitor is anyone doing anything remotely related, because anything remotely related has the potential to be a spin-off at some point in the synergistic future», (p. 176/7) e acrescenta, «when we try to communicate with each other by using the language of brands and logos, we run the very real risk of getting sued.» (p. 177)
Num livro publicado em 2006, Secret Knowledge: Rediscovering the lost of techniques of the Old Masters, David Hockney argumenta que desde o princípio do século quinze muitos artistas ocidentais usam a óptica – espelhos e lentes ou uma combinação dos dois – para criar projecções vividas.
As quatro grandes pinturas que ocupam as paredes da sala octogonal no topo das monumentais escadarias da Royal Academy of Arts, em Londres, introduzem e marcam os diferentes temas de A Bigger Picture [Um Quadro Maior], por David Hockney (1937), enquanto estabelecem a paisagem de Yorkshire, no Norte de Inglaterra, como o principal sujeito da exposição.
Seja através de amarelos, limas e castanhos, na Primavera (Spring, 2008), ou castanhos, rosas e verdes escuros, no Outono (Autumn, 2008), a série Three Trees near Thixendale [Três Árvores Próximo de Thixendale] – o conjunto é completo com mais dois óleos sobre oito telas: Summer [Verão] e Winter [Inverno] pintadas em 2007 – ilustra a vivacidade de Hockney em termos da qualidade da luz e da densidade da folhagem, ao pintar as alterações sazonais na paisagem.
David Hockney é frequentemente associado à cena artística de Los Angeles (EUA), onde viveu durante as décadas de oitenta e noventa. A Bigger Splash (1967) marcou a contribuição de Hockney no movimento Pop durante a década de sessenta, enquanto Pearblossom Highway (11th - 18th April 1986 #1) influenciou de forma singular o acto fotográfico ao fragmentar a realidade, e, posteriormente, ao compor imagens com montagem de fotografias coladas. Contudo, a exposição, na Royal Academy of Arts, para além das paisagens e panoramas realizadas na California, durante as décadas de sessenta e oitenta (Sala 2) reúne também uma primeira abordagem a paisagem de Yorkshire. Trabalhos realizados de memoria após uma visita a esta região de Inglaterra, durante os anos noventa (Sala 3). Depois é um crescendo de intensidades técnica, que culmina com as majestosas vistas de Yosemite Valley, na California. A atenção do artista para com Yorkshire traz à memória alguns notáveis paralelos: o registo da região Este da Inglaterra por John Constable (1776-1837), a lezíria ribatejana por Silva Porto (1850-1893) ou o trabalho de Monet (1840-1926) resultante da sua estadia em Giverny (França).
O espaço (Sala 4) está completamente forrado por óleos e aguarelas de tamanho médio. Mais parece que estamos completamente rodeados por uma sala inundada de plasmas a mostrar o que as câmaras de vigilância HD captam do espaço rural: ruas em vilas com carros estacionados; estradas que ligam estas vilas ladeadas por cercas e arbustos; caminhos por entre os campos com a sua riqueza de flores e árvores; céus enublados a indicar a aproximação de chuva, etc. Um tempo na paisagem de Yorkshire captado por David Hockney com cores vivas, brilhantes, no óleos, ou a subtileza da diluição das cores umas nas outras, nas aguarelas.
O que começou como uma simples casualidade, de repente torna-se num marcante comentário sobre a natureza da arte e da percepção, mas, em especial, investigações sobre o espaço pictural e sobre o movimento natural da luz e das condições duma paisagem – o céu e a vegetação. Wooldgate Woods (sete óleos, sobre seis telas cada), realizados durante 2006, traz-nos uma outra forma de encarar o espaço por parte de Hockney. Durante dias diferentes o artista capta do mesmo ponto com o mesmo enquadramento a paisagem á sua frente: trilho transformam-se em mantos de vermelho, castanhos e ocre; o nevoeiro da manha é substituído pelas sombras arrastadas, no final do dia.
A grande maioria das obras, produzidas entre 2004 e 2011, foram concebidas a partir da observação, da memória e da imaginação do artista, com o recurso a ajudas visuais e tecnológicas. Linhas de cercas, estradas rurais, marcas de herdades e moitas em floresta marcam todo o corpo de trabalho de The Arrival of Spring in Woldgate, East Yorkshire in 2011 (twenty-eleven). A mutabilidade da natureza é captada num trabalho composto por 52 partes. Esta vasta série consiste em 51 desenhos em iPad – Hockney usa o software Brushes – impressos sobre papel e uma pintura a óleo com 15 metros, formada por 32 telas, e preenche por completo a intimidante Gallery III da Royal Academy of Arts. Estas imagens representam o clímax de Hockney no domínio de um instrumento para trabalho visual.
A relação de Hockney com as câmaras tem existido durante toda a sua carreira, ligação a que apelidou de “idade do pós-fotografia”, onde a manipulação digital permite aumentar exponencialmente as possibilidades da forma, mas em contrapartida deteriora a sua capacidade para a veracidade. A procura de modos para representar a paisagem sempre em mutação com uma maior claridade levou Hockney a procurar novos instrumentos. Séries e séries de trabalhos numa multiplicidade de meios, como desenhos em iPhone e iPad, e filmes com nove câmaras HD. O resultado são filmes sumptuosamente detalhados, colagens cubistas em movimento, uma multiplicidade de espaço.
David Hockney começou a utilizar a câmara de vídeo digital em 2008. Em 2010, começou a utilizar nove câmaras montadas num 4 x 4, e cada uma direccionada para pontos ligeiramente diferentes. O espaço pictural expandido oferecido pela grelha de nove imagens (na sala onde são apresentados os filmes foi construído um painel com dezoito ecrãs emparelhados), representa um frame de tempo diferente, um acto em separado de intenso olhar sobre a paisagem. Esta nova abordagem técnica apresenta ecos em trabalhos anteriores, em particular em Grand Canyon With Ledge, Arizona Oct. 1982. Collage #2, made May 1986 (fotocolagem), Grand Canyon Looking North, Sept. 1982 (fotocolagem) ou Pearblossom Highway.
Para além do elemento formativo na utilização de uma ferramenta de trabalho (Brushes para o iPad da MAC) e o seu consequente marketing - o Sermão é "meus filhos as tecnologias são boas, usem-nas!", a exposição tem outra "Big Picture" - Copyright. Como visitantes, e inseridos num contexto social, transportamos a seguinte idea "As sucessivas edições de uma obra, ainda que corrigidas, aumentadas, refundidas ou com mudança de título ou de formato, não são obras distintas da obra original, nem o são as reproduções de obra de arte, embora com diversas dimensões" - o nosso Zeitgeist.
David Hockney ganhou o direito de entrar definitivamente para a História da Arte ao apresentar-se como um artista globalmente único - ao invés de ser quintessencial British - ao impor a sua marca (Trademark). Os resultados do uso de novas tecnologias digitais ao serviço da arte e do artista são extraordinários. Dedos, pincéis, câmaras escuras, máquinas fotográficas e de filmar, iPhone ou iPad são bons instrumentos de trabalho, desde que usados de uma forma inovadora, criativa e singular pelo artista. Com um iPad ele pode cumprir com o prazo de tempo permitido pela natureza. Apesar do assunto da exposição ser a paisagem de Yorkshire, na Inglaterra, a escolhar poderia muito bem ter recaído sobre outro lugar - Yosemite Valley, na California (Sala 13).
David Hockney, A Bigger Picture encontra-se patente na Royal Academy of Arts entre 21 de Janeiro e 9 de Abril de 2012. A exposição segue posteriormente para o Guggenheim Bilbao (Espanha) e depois para o Museum Ludwig, Colónia (Alemanha).
Imagens: David Hockney, The Arrival of Spring in Woldgate, East Yorkshire in 2011 (twenty eleven)- 2 January (iPad drawing printed on paper; 144.1 x 108 cm; one of a 52-part work); Nov. 7th, Nov. 26th 2010, Woldgate Woods, 11.30 am and 9.30 am (Film still); Pearblossom Highway, 11-18 April 1986 #1 (Photographic collage, 119.4 x 163.8 cm), The J. Paul Getty Museum, Los Angeles. Gift of David Hockney; Woldgate Woods, 21, 23 & 29 November 2006, 2006 (Oil on 6 canvases, 182 x 366 cm), photo credit Richard Schmidt. Courtesy of the artist. © David Hockney
A shorter version of this article can be find at Molduras: as artes plásticas na antena 2: David Hockney - " A Bigger Picture".
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