Friday, 20 April 2012

Review: Yayoi Kusama

Tate Modern
Yayoi Kusama

As Polka Dots são pequenos fragmentos retirados da superfície da natureza e ampliados. Estão no pêlo do gato ou do cavalo, na pele do ser humano, na superfície da água ou da terra, na lente da câmara, na árvore, no céu. As Polka Dots são o caminho para o infinito, são movimento e são também a Schriftzug de Yayoi Kusama (1929). Kusama pode ser considerada como uma artista que, seriamente comprometida com a arte do seu tempo, está situada no centro da abertura da história da arte.

O uso da repetição, “Despersonalização”, apelida-a a artista – provavelmente relacionado com a doença que a acompanha desde a infância, onde tudo o que vê fica totalmente remoto – pode, de certa forma, personificar a sua visão alucinatória. Séries como Infinity Nets (telas preenchidas por pinceladas de uma única cor recortada de forma interminável e repetida) [Sala 3], Accumulation Sculptures (objectos do quotidiano cobertos por uma proliferação de formas fálicas repetidas), as Polka Dots (padrões que consistem numa matriz de círculos cheios, geralmente de tamanho igual e no qual o espaço relativo entre cada um dos círculos é mais estreito em relação ao seu diâmetro) ou as instalações reportam para uma viagem de obliteração pessoal.
Em Walking Piece (1966) [Sala 6] o uso da repetição também pode predicar sobre a noção pessoal de 'exclusão'. Duplamente excluída do universo artístico japonês, devido à sua doença de tendência suicida, e excluída do mundo ocidental por ser de “outro” hemisfério.

Na década de sessenta, a cena artística nova-iorquina estava de certo modo dominada pela Factory, de Andy Warhol e pela produção e repetição de elementos do domínio público, como figuras do cinema, da televisão ou música, pela massificação de produtos de uso quotidiano e maximização da imagem pública, pela contestação e destituição do mito moral urbano-utópico, das décadas de quarenta-cinquenta, e pelo conceito de exploração individual do corpo humano, liberdade sexual, cultural e uso de substâncias alucinogénicas e psicadélicas. Inserida neste contexto, Kusama produziu um conjunto extremo e extremista de obras. Ela realizou acontecimentos, orgias e performances enquanto activista política e sexual, concebeu instalações, foi designer de moda, art dealer, escultora, pianista, poeta e novelista. A série Compulsion Furniture transporta-nos para o mundo de sonhos, no qual a obsessão interna que caracteriza a artista é projectada para o domínio físico, onde, ela, é a 'Alice no País das Maravilhas' moderna.

No entanto, durante o seu percurso, Kusama influenciou a prática artística de muitos artistas seus contemporâneos, como Lucio Fontana, Joseph Cornell, Donald Judd, On Kawara ou Andy Warhol e Louise Bourgeois (em menor escala), e sucedâneos, como Damien Hirst ou Sarah Lucas. Por exemplo, em Dezembro de 1953, Kusama apresentou Aggregation: One Thousand Boats Show (presente na sala 5), pela primeira vez, na Gertrude Stein Gallery, em Nova Iorque. A peça consiste num barco a remos pintado de branco, envolto por phallus, e encontra-se instalada numa sala forrada por posters a preto e branco com uma imagem do barco visto de cima. O uso da repetição do mesmo motivo para alinhar as paredes do espaço de exposição antecipa em três anos o Cow Wallpaper (1966), apresentado por Andy Warhol na sua segunda exposição na galeria Castelli, em Nova Iorque. Enquanto a série de selos e notas produzida por Warhol, em 1962, 64 S&H Green Stamps, Red Airmail Stamps, 80 Two-Dollar Bills, Front and Read ou 200 One Dollar Bills, é coevo à série de colagens concebidas pela artista, durante o mesmo período, com selos e notas, como Accumulation of Stamps, 63 (1962), Airmail Sticker (1962) ou Airmail No. 2 Accumulation (1963), possiveis de serem vistas na sala 7.

As colagens e pinturas, que encontramos na Sala 9, concebidas após o regresso ao Japão, em 1973 – Kusama, em 1977, deu entrada de forma voluntária num hospício, onde permanece e continua a trabalhar numa multiplicidade de meios e formas, como a escultura, a pintura, as instalações ou a literatura – são evocativas e vibrantes. Partilham semelhanças com os trabalhos iniciais [Sala 1 e 2], realizados antes de viajar para Seattle (EUA), na década de cinquenta. As formas orgânicas, quase espermatogónicas, são simultaneamente belas e macabras. No papel de observadores da obra de Kusama somos testemunhas do complexo sistema de referências em múltiplas camadas que caracterizam as alusões da arte contemporânea.

Uma das obsessões duradouras da artista é a descrição do espaço infinito. A exposição de Yayoi Kusama, na Tate Modern, abrange o trabalho pioneiro desenvolvido pela artista ao longo de seis décadas. Cada uma das salas destaca um momento principal na carreira da artista japonesa. A exposição termina com uma série de novos trabalhos. I'm Here, but Nothing (2000) [Sala 12], no qual um espaço doméstico – mesa de jantar, talheres e copos, cadeiras, o chão, paredes, espelhos, pinturas e uma TV – obscurecido está coberto por Polka Dots fluorescentes sob luz negra, pinturas [Sala 13] e uma nova instalação [Sala 14] concebida especialmente para acompanhar a retrospectiva. Infinity Mirrored Room – Filled with a Billance of Life (2011) é a maior sala de espelhos concebida e construída até à data pela artista. Propõe a experiência de infinito, ao convidar o observador a fazer uma viajem ao centro do Eu. A multiplicação de leds provoca uma desorientação momentânea. Na floresta de luz incandescente, com mudanças de cor e intensidade, por momentos, o tempo e o espaço confundem-se, e categorias como duração e distância ficam estranhamente incríveis, como se estivéssemos a viver num mundo de sonhos tornados realidade.

É como se Kusama estivesse a redireccionar e a redimensionar as nossas questões sobre a nossa vida, em particular, e sobre a Vida, em geral. Uma das intenções da artista é, ao percorrer-mos a exposição, de sentirmos a necessidade de procurar e de afirmar sobre o sentido da exclusão de um lugar, mas, simultaneamente, sobre o sentido da inserção espacial. Uma nova sala com novas regras, estruturas por localizar e compreender num tempo-espacial onde os limites são quase inatingíveis, impraticáveis de acordo com as estruturas das forma física actuais.

Yayoi Kusama na Tate Modern até 5 de Junho de 2012

ImagensKusama posing in Aggregation: One Thousand Boats Show 1963 installation view, Gertrude Stein Gallery, New York 1963 © Yayoi Kusama and © Yayoi Kusama Studios Inc.; Yayoi Kusama, 1965. Courtesy of Victoria Miro Gallery, London and Ota Fine Arts, Tokyo © Yayoi Kusama, courtesy Yayoi Kusama studio inc. Photo: Eikoh Hosoe.

Published at Molduras: as artes plásticas na antena 2: Yayoi Kusama.

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