Projecto da Google ambiciona a expansão da cultura a um nível nunca visto.
Considerada uma das maiores bibliotecas da Antiguidade, a antiga biblioteca de Alexandria (Alexandria, Egipto) tinha como principal objecto a preservação e divulgação da cultura do Mundo conhecido de então. Criada no início do século III a.C., era um lugar de sabedoria e conhecimento, onde estava reunido o maior acervo cultural e científico da época, milhares de textos em diversos volumes, pergaminhos e rolos de papiro acumulados de forma a instigar e deixar um legado notável para o desenvolvimento geral da Humanidade.
Recentemente, a Google – uma empresa privada fornecedora de serviços para a internet, como um motor de busca ou endereços de correio electrónico – decidiu criar uma nova biblioteca mundial ao empreender o projecto massivo de digitalizar todos os livros existentes – novos ou antigos – e disponibilizá-los à sociedade em geral. Se o acordo com a indústria livreira for oficializado, autores e editores irão receber a sua quota parte de direitos de autor e direitos conexos, enquanto toda a sociedade beneficiará do acesso privilegiado aos livros entretanto digitalizados.
Apesar da razoabilidade e dos possíveis benefícios da proposta, este acordo permite a esta empresa privada colocar-se numa posição monopolizadora privilegiada para vir a ser, de facto, a primeira biblioteca universal ao invés de encorajar um acesso livre, standards plurais como a pluralidade de serviços e de fornecedores de serviços.
Existirá, porventura, a necessidade de discutir os potenciais efeitos perversos de tal projecto. Por exemplo, uma empresa privada é autorizada a copiar todas as obras de arte existentes e consequentemente criar um arquivo sobre estas manifestações humanas em que, posteriormente, toda a sociedade se reporta para informação e referência; ou, num contexto mais simples, captar e registar os reportórios de muitos dos ranchos folclóricos possíveis de serem encontrados em qualquer uma das aldeias, vilas ou cidades de Portugal, e mesmo internacionalmente. Fazer o registo dos cantares, músicas e danças, que se encontram num domínio legal público, de grupos e colectividades, com o intuito de salvaguardar este património intangível para as gerações futuras. Poderia tal recolha, estruturada num âmbito singular, constituir uma mais-valia incontestável para a sociedade?
O facto de se permitir a oficialização deste acordo de atribuir o monopólio da digitalização dos livros para prevenção e acessibilidade, a uma única empresa não irá fazer a sociedade ficar mais rica. Provavelmente, será um serviço válido durante os primeiros tempos, mas , mais tarde, quando se necessitar mais do que aquilo que esta biblioteca de Alexandria digital nos pode oferecer, poderá acontecer que ela peça mais em troca do que o a sociedade em geral possa dar. A biblioteca on-line da Google também pode vir a ser destruída por incêndios virtuais ou por multidões crentes em novas fés ou religiões, tal como foi a biblioteca de Alexandria ao longo da sua história com a perca de originais de incalculável valor para a história da humanidade.
Published at NS'193/IN#089, Mercado da arte (70), (Diário de Notícias N.º 51301 e Jornal de Notícias N.º 110/122), 19 de Setembro de 2009 Portugal © Andy Warhol, Flowers, 1964 Courtesy: Christie's 2009
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