Tino Sehgal
A lei dos 'Direitos de Autor e dos Direitos Conexos' não protege a ideia para uma obra de criação intelectual. A lei somente tem aplicação quando a ideia da obra é por qualquer modo exteriorizada. Esta pode compreender livros, obras dramáticas e musicais e a sua encenação; conferências; obras coreográficas, «cuja a expressão se fixe por escrito ou por qualquer outra forma»; composições musicais (com ou sem palavras); obras cinematográficas, televisivas, fotográficas, etc. As obras concebidas pelo artista Tino Sehgal (Londres, 1976) circulam primeiramente em redor desta ideia legal para se exteriorizarem, se desenvolverem e marcarem a sua posição criativa no âmbito público.
Tino Sehgal não permite que exista qualquer forma de exteriorização tangível do seu trabalho. Intituladas de 'Situações Construídas' as peças representam um desafio para as instituições envolvidas na sua apresentação, conservação e/ou representação legal. Dada a não existência de qualquer objecto físico, forma de contracto escrito, por exemplo, a explicar o processo de apresentação da obra; esta é comunicada verbalmente entre o autor e os diferentes 'interpretes'. O processo de compra e venda de qualquer umas das suas 'peças' envolve a presença física do criador, do adquirente e dos seus representantes legais e/ou testemunhas; o 'contracto' assinado é na forma verbal. Por exemplo, entre as poucas condições apresentadas no contracto, a possibilidade da re-venda da 'obra' por parte de um coleccionador ou instituição implica a aceitação desta norma do contracto e terá de tomar a mesma forma, ser unicamente verbalizado.
O teórico e filósofo alemão Boris Groys expressa que no contacto com a obra de arte existem diferentes tempos. O 'tempo de observação' é diferente do 'tempo da concepção': o espaço temporal onde a interpretação sobre a qual é retirada a explicação para a obra tende a ser, consequentemente, distinta nos diferentes tempos. Dado o posicionamento temporal distinto entre a obra e o criador ou o observador. Como em qualquer outra obra de arte, o aspecto do posicionamento do processo criativo das coreografias concebidas por Sehgal está no modo como se inscreve no espaço público. Para além do aspecto de observação as 'Situações Construídas' requerem a participação, a interacção do público com as mesmas para tomarem forma.
Na 'peça', These associations (2012), apresentada na Tate Modern, parte da Unilever Series, um conjunto de pessoas executa uma série de acções que mímica o visitante da Tate Modern, enquanto ocupante (visitante) de um espaço museológico. Esta coreografia encara o visitante directamente, cria situações sociais através do recurso à conversa, ao som ou ao movimento, assim como envereda por um debate filosófico e económico. Por momentos, a multidão composta por 'interpretes' e visitantes corre pela Turbine Hall, caminha, recua lentamente, mistura-se com os restantes visitantes, para, joga ou canta. É aqui que percebemos que esta não é uma multidão de seguidores, mas sim um organismo vivo, com a sua voz! Ao reflectir sobre o comportamento de grupos e colectivos a acção coreografada preenche o espaço com uma peça interactiva, íntima e de reflexão crítica sobre o meio circundante: o contexto museológico, em particular, e os comportamentos da sociedade contemporânea, em geral. Da mesma forma, por exemplo, como os trabalhos tecnológicos de Rafael Lozano-Hemmer ao necessitar da presença e consequente interacção por parte dos observadores para com a obra de forma a que ela actue e tome a forma pretendida pelo autor; ou a atribuição de novas significações em algumas das obras de Francis Alÿs ou Joana Bastos sobre a a interacção no espaço social comum.
Em “The Emancipated Spectator” (2009), o filosófo francês Jacques Rancière defende que o espectador deve de ser envolto pela performance, e conduzido para o circulo de acções que re-estabelece a sua energia colectiva. E acrescenta ainda, que a emancipação começa quando desafiamos a oposição entre ver e actuar; quando compreendemos que os factos evidenciados que estruturam as relações entre dizer, ver e fazer pertencem em si mesmos à estrutura de domínio e subjecção. Este género de trabalhos inscrevem-se e inserem-se perfeitamente no período onde a obsessão com a interactividade das plataformas sociais virtuais, como o Facebook ou o Twitter é uma necessidade social. A necessidade de compartilharmos as nossas histórias privadas no espaço público, de termos uma voz, de sermos ouvidos. Como é frequente nas peças de Sehgal a participação activa por parte do espectador é uma das componentes do processo criativo. A multidão composta por interpretes e figuras anónimas ao misturar-se com os visitantes da Turbine Hall transmite a ideia de que todas as experiências são mediadas, ao invés de serem caóticas, Reais. Tudo está determinado de acordo com a estrutura de domínio e subjecção das relações sociais no espaço público. Mas ao invés de apresentar um objecto, o artista apresenta-nos como o sujeito da obra. Cada espectador já é um actor na sua história; cada actor, cada pessoa na acção, é o espectador da mesma história. As performances requerem espectadores que representem o papel de interpretes activos, que desenvolva a sua tradução de forma a apropriar-se da história e fazê-la sua.
De um momento para o outro estamos em palco e fazemos parte do espectáculo! Estamos no centro da acção. A sensação com que nos confrontamos durante o tempo de observação, entre a obra e o observador, é completamente extraordinária e confere-nos a autoridade para temos a nossa própria voz.
Imagem: Tino Sehgal and participants of These Associations outside Tate Modern Photo courtesy of Gabrielle Fonseca Johnson, Tate Photography 2012.
Published at Molduras: as artes plásticas na Antena 2: Tino Sehgal : The Unilever Series: 2012.
No comments :
Post a Comment