Wednesday, 5 August 2009

Valerie Kabov

Valerie Kabov é crítica e académica assim como uma profissional da arte multi-disciplinar. Ela combina a sua pesquisa académica em história da arte e política cultural com projectos focados na educação e em iniciativa dirigidas a colmatar o fosso entre a comunidade das arte visuais e o público em geral. Valerie Kabov é também fundadora e directora da Renaissance art investment consultancy. Kabov possui um Mestrado em Curatorship and Modern Art pelo Department of Art History and Theory, University of Sydney (Austrália), e presentemente, está a desenvolver um projecto doutoral em História da Arte na Sorbonne, Paris 1 (França).

Durante as últimas décadas o mercado da arte evoluiu no sentido de encarar a arte como um “produto de investimento alternativo”, no qual é difícil perceber qual a distinção entre Valor e Preço – dois denominadores importantes na tua pesquisa sobre o valor da arte contemporânea. Podes esclarecer-me qual é a diferença entre estes dois avaliadores performativos?
Desde há já um ano e meio eu estou a dizer que o mercado está no lugar errado. No sentido de que nós tivemos as pessoas erradas no mercado da arte, a forma como as pessoas estavam a gastar dinheiro. A arte contemporânea chinesa foi um exemplo evidente. Curiosamente, o Médio Oriente não entrou em colapso da mesma forma. O motivo radica na diferença entre a China e o Médio Oriente, em que o mercado chinês de arte contemporânea concebia arte centrada em agradar ao público ocidental (os compradores), os gestores de hedge-funds que gastavam acima dos seus limites. Inversamente a arte contemporânea do Médio Oriente não foi e não é centrada numa audiência Ocidental, é apoiada por compradores tradicionais, compradores originários do Médio Oriente/Árabes, porque esta fala sobre valores Árabe - arte Islâmica. Também não cortou com a tradição de onde vem. Na China, eles decidiram fazer as coisas para o mercado Ocidental porque, os compradores ocidentais, pareciam gostar desta arte. Tornou-se uma espécie de lembrança alternativa mais cara (uma lembrança muito cara!). Por isso é que era um falso mercado e é por isso que falhou agora. O mercado da arte Indiano é uma mistura; muito do que se fez visava os mercados ocidentais. Ou seja, sempre que se faz coisas apenas para agradar o mercado, falha-se. O mercado não entende de arte, o mercado percebe de preço. O mercado entende oportunidades, mas realmente não faz para colocar valor na arte, porque o mercado não tem tempo para aprender sobre a arte. Nós Temos tempo. Nós entendemos o que é que faz arte com valor. No momento em que a arte valiosa chega ao mercado esta é avaliada correctamente. Mas se se fizer como os hedge-funds estavam a fazer, por exemplo, a comprar obras de arte e a vendê-las um ano mais tarde, isto é especulação. Isto não contribui para o valor. Na verdade, destrói o valor.

Então, neste caso aonde foi que o mercado errou?
Muita gente que entrou no mercado não entendia sobre arte, para além de saberem como jogar com o mercado tinham bastante dinheiro disponível. Estas eram as pessoas erradas. Fomos todos levados pela ganância e pelo dinheiro fácil. Mas as pessoas são assim! É uma falha humana.

Podemos dizer que estamos numa fase de esclarecimento?
Espero bem que sim. Durante mais de uma década alguns indivíduos diziam que o mercado da arte nunca iria entrar em recessão. É bom os artistas “na moda” terem falhado. Eu penso que devem. Alguém como o Damien Hirst, com o seu leilão [coincidente com a falência da Lehman Brothers Holdings Inc., em Nova Iorque, nos Estados Unidos, nos dias 15 e 16 de Setembro de 2008 realizou-se o leilão Beautiful Inside My Head, na Sotheby’s de Londres, no qual Hirst vendeu directamente ao público 218 peças por cerca de €140 milhões] mostrou que não tem mais para dizer como artista. Basicamente, ele é uma criatura do mercado, uma marca, um produto, nada mais. Ele fundou uma empresa, ele fez-se num negócio. É tudo sobre negócios. Quem são os outros investidores do crânio com diamantes [For the Love of God, 2007, é um crânio humano recriado em alumínio e adornado com 8.601 diamantes, entretanto adquirido por um consórcio por €75 milhões a 28 de Agosto de 2008]? Os artistas fazem obras de arte com crânios desde sempre.

Num dos teus textos referes que “o controlo do preço da arte não pode ser compreendido sem se perceber o valor da arte, que por sua vez está intimamente relacionado com o lugar de onde a arte é originária”. Podes explicar como é que vês o papel do “lugar”, da “localização” neste contexto?
Uma das razões pela qual eu falo de lugar é porque lugar é também um lugar económico. Uma obra de arte pode ser avaliada e ter um preço, se as pessoas a querem ter e a desejam ter, é porque elas compreendem que a obra significa algo de importante para elas. O lugar onde a obra de arte vai ter o maior valor é onde o artista vive, o lugar onde podes comunicar mais eficazmente as suas ideias, e onde essa conversa com o público é a mais significativa. Não estou a afirmar que se deve fazer obras de arte especificamente para um lugar em mente, mas se és um bom artista és sempre sensível ao mundo que te rodeia. Que mundo? Se te moves em, as tuas conversas são, os teus pensamentos são sobre o lugar onde estás a viver.
E se não estás a fazer arte para as outras pessoas, então porque trabalhas? Muitas vezes falo com jovens artistas e digo-lhes – tu fizeste este trabalho, óptimo! Mas porque é que devo olhar para ele? Normalmente ficam chocados e surpreendidos, porque nunca se questionaram. Eles pensam “- Ó, estou a expressar-me!” Mas, digo eu, “isso é excelente, mas porque é que devo olhar para o teu vomitado emocional? Quando estiveres preparado para partilhar alguma coisa, para eu fazer parte disso, então falamos...”

Sei que estás a realizar uma pesquisa sobre políticas culturais, economia da arte e audiências para a arte contemporânea na França e Austrália – Europa e Novo Mundo – é possível alguma comparação? Quais são as diferenças e similaridades?
Exceptuando Londres e Nova Iorque, talvez, Berlim, todos os outros locais pensam que estão na periferia do mundo da arte, devido ao fenómeno do mercado. nos últimos anos os centros que se tornaram importantes são aqueles onde decorria o maior volume de vendas, de transacções. Espero ver uma alteração. Londres, e os ingleses historicamente, não são uma grande potência em termos de artes e cultura visual. Mas existiu uma confluência de grandes quantidades de dinheiro gerado, do apoio governamental através da National Lottery [Lotaria Nacional] e do British Council para as artes e do aparecimento de figuras como o Charles Saatchi. De repente tinha-se este espigão nas artes visuais.
Mas gostaria de regressar à ideia de públicos no lugar, públicos e clientes – nem sempre é o mesmo na arte contemporânea (apesar de pensar que deveriam de ser). Portanto, correntemente nós temos três públicos para a arte contemporânea – governo e a filantropia/patronos ricos num lado, e o público em geral no outro. Apesar dos artistas pensarem que estão a fazer obras para a sociedade no seu todo o dinheiro primariamente vem dos filantropos e do governos. No entanto, se os artistas sabem que o dinheiro vem dos dois primeiros grupos, eles vão inevitavelmente ter um impacto em como fazem as obra de arte porque estes são quem os artistas realmente contam com para viver e comprar os seus trabalhos. Mesmo quando pensam que estão a fazer obras de arte para todos, quando estão a preencher candidaturas a fundos estão a pensar nos objectivos dessas organizações não sobre as necessidades do público em geral. Só quando o público em geral começar a apoiar as artes financeiramente é que então serão incluídos. O meu ponto é, como é que fazemos o público em geral apoiar a arte e os artistas, em vez dos governos. Presentemente, estou a estudar o papel dos governos, e a tentar mudar a forma como eles gastam dinheiro na arte. Eu penso que deveria existir muito mais dinheiro gasto na educação de adultos.
Presentemente, a educação das crianças está a definir a prioridade para a educação nas políticas educacionais, mas não é o suficiente. Se levas uma criança a um museu isso é muito bom, mas se na sua família a prioridade não é o museu ou a galeria mas o café ou o centro comercial, elas vão ao museu uma vez mas em geral elas irão aos cafés quando crescerem. Necessitas de ter coisas que estejam focadas em adultos. Educação de adultos não tem de ser um exercício seco e sério de aprendizagem num ambiente de sala de aula. Na minha pesquisa pessoal e projecto de trabalho, estou a procurar a forma na qual nós podemos encarar projectos exposicionais e incorporar educação nas exposições de uma forma significativa, de uma forma efectiva a longo prazo. O que encontrei foi que presentemente os modelos exposicionais, como bienais e feiras de arte são muito más a educar pessoas sobre o que de facto é bom na arte. Nas ferias o contexto educacional não é importante, vender é a prioridade. Desta forma o público em geral compreende que se eles vão a uma feira de arte alguém vai só querer vender-lhes algo. Não existe um nível intermédio onde eles possam ver que aquela obra foi seleccionada de forma independente e com o seu mérito. O que estou a tentar fazer é desenvolver relações com novos conceitos expositivos que tenham programas educacionais para permitir oferecer ás pessoas ferramentas e confiança. tomarem as suas decisões na selecção e compra de arte contemporânea. Assim as pessoas sentem-se seguras e sabem que não aparecerá alguém a querer vender-lhes seja o que for. Eu quero que as pessoas tenham confiança na selecção das suas obras de arte, e que construam relações com os artistas. É por isso que penso que os governos deveriam era de estar a apoiar a educação.
O que necessitamos de desenvolver é uma ligação entre arte e economia, porque, actualmente, nós temos uma ligação entre arte e luxo. Eu quero anular isso. A arte não deve de ser um luxo, mas deve de fazer parte da nossa vida, como quando vamos a um supermercado e escolhemos o produto que queremos da prateleira.

Sendo assim, quais é que são os grandes desafios que a arte e os artistas contemporâneos se defrontam actualmente?
O grande desafio para os artistas presentemente é transporem o pós-modernismo, no sentido em que o pós-modernismo foi uma reacção ao modernismo e descarrilou uma data de coisas. Intelectualizou a arte o que fez muitos artistas serem melhores filósofos ou pensadores do que serem artistas. Como consequência, surgiu uma desconexão entre arte e sentimentos, a emoção e a espiritualidade e por último o público. Isto é um assunto muito sério. Para comunicar eficazmente, e nós sabemos isso através da psicologia, tu deves ligar-te aos sentimentos e emoções das pessoas. Muita da arte actualmente procura comunicar coisas importantes sem emoção, é por isso que existe muito texto. Temos mesmo muitas coisas conceptuais que falham em ter alguma importância porque não tem efeito nas pessoas, e não faz efeito nas pessoas porque não tem em consideração os seus sentimentos, só o seu pensamento.
Para dar uma analogia: porque é que as pessoas continuam a fumar? Não é porque em cada maço há o sinal “Fumar Mata”! As pessoas continuam a fumar. A ideia intelectual “Fumar Mata” não ressoa. No entanto, pode ser que um dia elas notem alguma coisa, que estão com falta de ar e não podem brincar com os seus filhos, e isso toca-lhes emocionalmente. De repente, o sinal faz sentido. Elas querem parar! As suas emoções estão envolvidas. Porque é que fazemos isso? O mesmo acontece com as pessoas que não conseguem perder peso. Elas sabem que comer muito as vai fazer gordas, mas continuam a comer, porquê? Porque o acto de comer está conectado à emoção, faz sentir-nos melhor. Até ao momento em que ser magro faça sentido com o facto de se sentir bem, elas não vão parar. Com referencia à arte isto é crucial.
Actualmente, na arte contemporânea, o conceito é mais importante do que a obra de arte. Na realidade, a obra de arte, por vezes, acaba por ser uma ilustração para um conceito, enquanto se fala de um conceito sem actualmente visualizar a obra de arte. Uma imagem diz mil palavras não o contrário. Os artistas necessitam de retornar a compreenderem o seu papel com a sociedade, de uma forma muito dinâmica. É precisamente por existirem muitas ideias que a arte necessita de comunicar com o mundo actual, de que não podemos esquecer as emoções. Porque é o melhor veículo para se ter a certeza de que as ideias ressoam e têm impacto.

No presente contexto do mercado da arte quais são para ti as oportunidade na arte contemporânea?
As tendências e oportunidades no novo trabalho vai ser deixar de fazer arte para o mercado e deixar-se de comprar de artistas que fazem esse género de obra. Esta é uma oportunidade para começar a focar, regressar a artistas que têm obra há já muito tempo. Nas últimas duas décadas todos estavam entusiasmados com os artistas emergentes. Estes “artistas da moda” necessitam de se acalmar. Os mercados que se desmoronaram, como o da arte contemporânea Chinesa, são um exemplo disso. Conheço muitos artistas estabelecidos, em meio da carreira, em que as pessoas estavam interessadas nas suas obras quando eles tinhas, 22, 25 ou 28 anos. Depois, quando chegaram aos 35, mais ninguém estava interessado no seu trabalho. Mas eles estão a fazer as suas melhores obras agora. É realmente uma oportunidade importante para regressar e olhar para além das coisas ostensivamente atractivas e jovens. Necessitamos de parar e perguntar, quem é que realmente está agora a fazer um bom trabalho, quem é que continuou a fazer bons trabalhos mesmo quando ninguém prestava atenção ao que faziam. Alguns destes artistas têm uma oportunidade de ser ‘ouvidos’ outra vez, porque agora que uma grande parte do ruído foi-se embora nós podemos finalmente ouvir a música.

Published at Artecapital.net, Entrevista, 5 de Julho de 2009, Portugal © Valerie Kabov

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