Monday, 5 October 2009

A transgressão na arte e a censura

Por ser um campo fértil de interpretações, o universo artístico é o mais permeável às criticas extremistas.

Um dos mais enevoados temas com influência na prática artística, e mesmo no relacionamento social, desde a Antiguidade, é a infracção ou a superação dos limites delineados pelos princípios morais ou por outras normas estabelecida de comportamento no relacionamento comunitário. Outro tema é a forma oficial encontrada pela comunidade para responder a estas transgressões morais através da supressão das partes inaceitáveis, nomeadamente matérias consideradas obscenas, pornográficas - como, em especial na sociedade contemporânea a pornografia infantil - ou outros assuntos de moral questionável. Um comportamento comunitário possível de ser encontrado nos actos de censura, nas visões e práticas intolerantes provenientes dos mais variados quadrantes sociais, políticos, religiosos ou corporativos.

Por ser um campo fértil de interpretações o universo artístico é o mais volátil e permissivo a este género de críticas extremistas. Por exemplo, recentemente, o apresentador populista televisivo norte-americano Glenn Beck conseguiu encontrar indícios fascistas e comunistas em vários murais localizados em edifícios na Rockefeller Plaza, em Nova Iorque – apesar de um dos painéis nem sequer existir nesse espaço –, enquanto, na Escócia, uma exposição na Gallery of Modern Art (Galeria de Arte Moderna) foi retirada da programação dedicada à promoção da igualdade e dos direitos humanos. Se nos Estados Unidos da América existe uma propensão para extremismos morais, exemplos existem também a nível nacional, como uma peça da designer Catarina Pestana, criada para a exposição da Experimenta Design, censurada por um dos patrocinadores do evento sob a direcção de Guta Moura Guedes.

O controlo exercido no domínio artístico pelos diferentes governos europeus durante o século vinte é um facto histórico registado. Socialmente, a visão de um tornozelo duma mulher era considerado chocante para a sociedade de épocas passadas. Assim como imagens de nudez, alguns dos aspectos fisionómicos das figuras pintadas por Michelangelo na Capela Sistina, no Vaticano, estão actualmente completamente desvelados ao público; ou as duplas pinturas de Goya, para serem mostradas no espaço privado ou público do século dezoito.

A arte é um fórum, uma plataforma independente onde a transgressão e o questionar de situações éticas, morais, políticas e sexuais são constantes. De acordo com algumas ideologias partidárias, a atribuição de fundos públicos permite a existência desta independência relacional. Dá a possibilidade de conceber obras não limitadas às exigências e gostos progressistas, tradicionais ou das massas, mas sim criar obras que facultam a reflexão sobre a condição humana contemporânea. O que é certo, como em muitas obras de arte, por diversas vezes o valor económico e cultural da peça censurada aumenta de acordo com a exposição no debate público.

Published at NS'195/IN#091, Mercado da arte (70), (Diário de Notícias N.º 51315 e Jornal de Notícias N.º 124/122), 3 de Outubro de 2009 Portugal © Francisco de Goya, La maja desnuda (1795), e La maja vestida (1800) Courtesy Museo Nacional del Prado, Madrid

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