Monday, 22 February 2010

«De que outra coisa poderíamos falar?»

Curador Cuauhtémoc Medina e artista Teresa Margolles defendem outra forma de intervir politicamente

No pós-modernismo, a teoria pós-colonial é uma dialéctica que consiste na análise do legado cultural do colonialismo, e é neste contexto que se inscreve o discurso do curador mexicano Cuauhtémoc Medina: «A ideia da relação de riso perante a morte na ideologia nacional mexicana é uma má leitura.» A violência gratuita geralmente associada às mortes e assassinatos noticiadas encerra em si um erotismo, a ideia de «rios de sangue» como uma forma de transgressão que substitui a violência dos sacrifícios sagrados exóticos por uma violação da proibição social, associada à violência da guerra de conquista.

Cuauhtémoc Medina vê o seu trabalho de curadoria como «uma forma de intervir politicamente, mas politicamente no sentido de reutilizar as estruturas que encontra» no seu quotidiano. Em conjunto com Teresa Margolles (representação do Pavilhão do México na última edição da Bienal de Veneza, com o obra colectiva De Que Outra Coisa Poderíamos Falar?), procurou dissociar essa relação ideológica: «A pergunta no trabalho de Teresa tem a ver com a relação material/espectral do espaço sacrificial, mas entendido como um assunto místico e arqueológico», adianta o curador.

«Não é que exista um combate ao estereótipo per se, mas sim ao estereótipo equivocado», conforme defende Medina. E acrescenta que «por um lado, evidentemente, há uma necrópole política que o espaço colonial produziu. Existe uma continuidade de violência, de enorme consumo dos conflitos praticados que tem a ver com a estrutura de poder disciplinar que acaba de se estabelecer».

Desta forma, ambos, Cuauhtémoc Medina e Teresa Margolles, ao explorarem a questão da distinção entre Estado e Governo, procuraram colocar em crise o uso da representação nacional para fins diplomáticos estatais, pois a intervenção rege-se sob regras complexas no espaço de representação nacional. Há uma actuação nele, e o que se retira desse espaço de controlo do Governo é um labor que não deve ser governamental.

Em relação ao projecto realizado pela artista, «tentou-se, num lugar muito estranho, que é a arte contemporânea, uma interpretação que se fizesse valer, uma intervenção difícil de aceitar, que passa pela noção de que, como não podemos acabar com uma representação nacional, o nosso trabalho é então evitar que sirva para o que serve», esclarece Cuauhtémoc Medina. «Ou seja, como não podemos fazer-nos estúpidos, pensar que isso desaparece, porque isso implica evadir-nos à responsabilidade política, retiramos dos mecanismos de promoção político-ideológica» o elemento de representação nacional usado por este mesmo mecanismo representativo.

Cuauhtémoc Medina é curador de arte contemporânea. Foi o curador do Pavilhão do México, na 53.ª edição da Bienal de Veneza, em 2009. Em 2008, comissariou, em conjunto com Olivier Debroise, a exposição La era de la discrepancia – arte y cultura visual en México 1968-1997, no MUCA (México); e em 2006, Diez Cuadras Alrededor del Estúdio, de Francis Alÿs, no Antigo Colégio de San Ildefonso (México). Foi o primeiro curador para a arte da América Latina da Tate Gallery (Inglaterra).

Published at NS'215/IN#111, Mercado da Arte (70), (Diário de Notícias N.º 51453 e Jornal de Notícias N.º 264/122), 20 de Fevereiro de 2010, Portugal. Teresa Margolles, Sangre Recuperada, 2008. Courtesy Instituto Nacional de Bellas Artes y Literatura, México 2008

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